story:tell:her

1.4.07


De algum modo, o jardim faz parte de nós. Como os parentes da infância, que recordamos em casas que já não existem. Nós no jardim, como também já não somos. Os nossos filhos no jardim. As obras novas e as obras velhas. Ela a chamar árvore do Tarzan à Ficus e a tropeçar-lhe nas raízes. As raízes.

Esvoaçámos.
Como bater as asas.

A árvore está . Um tronco magrinho, adoptado na primeira primavera dela.

purest blend


JB - 17 anos


JB - on the rocks

29.3.07

Ele hoje dorme fora e eu vou tirar os pelos das pernas. Com calma, vou besuntar-me de espuma e curvar a lâmina sem piedade. Desde os tempos das Escócia que abandonei a cera. Porque eram demasiadas libras, porque me puxavam os derrames e porque não mudei de namorado. Substitui a relação com os pelos pela relação com o homem. Saímos todos a ganhar. Também uso pijamas de flanela.
No outro dia fiz uma máscara. Besuntei a cara com uma pasta esverdeada e sentei-me na beira da banheira, a sentir aquilo a arrepanhar-me a expressão. Já não fazia há tanto tempo que já me tinha esquecido daquele puxão purificador, que eu cá gosto que os tratamentos se sintam. Pensei que depois ia tirar os pontos negros do nariz com aquelas fitas mágicas que também secam na cana. Tenho um prazer mórbido quando observo os pequenos anões de gordura, geometricamente espaçados, arrancados sem piedade e exibidos de pernas para o ar. Uma vez convenci-o a fazer aquilo e o mariquinhas gritou que doía muito. Os homens são uns fracos. O que dói é depilar as virilhas e arranjar as sobrancelhas.
Nesse dia já passava das nove; a criança alimentada, lavada e supostamente dormida. Mamã, mamã. Já não sei qual era a urgência, mas recordo a expressão parada, levemente enojada e temerosa quando me debruço. Vai lavar a cara. Encolhida, afastou-me num esgar de recusa.

26.3.07

Eu até já tinha reparado, mas hoje, hoje tive a certeza: a miúda tem os meus dentes. O meu pai confirmou que também já tinha percebido. Ora bolas, isto não é nada bom.
Há coisas que até acho graça. Habituei-me a que me expliquem que "ela é igual a ti!". Mas detesto ver-lhe os meus defeitos, um legado misto de snappishness, nariz e, agora, dentes. Agora já não, mas durante muitos anos tive o phantom limb do aparelho. Ora bolas.

23.3.07

A talentosa Mrs. Ripple

Mais dia, mais dia também hei-de fazer uma manta de croché. Acho que acabo sempre por preferir os quadrados às ondas, mesmo quando são perfeitamente descombinadas.
Menos dia, menos dia, e enquanto não me liberto das teclas, sempre aproveito a luz fresca da casa nova.

Right hand

Já não coxeio, agora só retraio ocasionalmente a postura. Um amigo ontem disse-me que o arrasto dava um certo charme. Como a rouquidão. Ora isto é a miséria total, uma pessoa a cavalgar socialmente as mazelas.
Tenho uma mão cheia de urgências e mais uma dúzia de coisas importantes para fazer. Esta semana disse ao meu chefe que precisava de ajuda, o que me custou que eu não gosto de trabalhos de grupo. Ele riu-se e disse que era bom sinal. Eu afastei a franja e levantei as sobrancelhas com um ar entusiasta. Upa. Isto agora resulta muito melhor depois da Eliete me trabalhar o arco.
Entretanto torci o pé e pendurei a correria até acabar o relatório que devo às autoridades há quase cinco meses. Custa-me tanto que chego a fantasiar uma manobra menos dextra.

22.3.07

Left foot

Estou constipada, alérgica e torci um pé. Não me está a correr bem a semana. Há dois dias, chego tarde e gasto mais de meia hora no indiano que nos outros dias é sempre rápido. Esbaforo para a casa e tinham-se esquecido do nan. Não se faz, pá.
Hoje ao fim da tarde fiquei rouca e agora carrego uma fronha de ranho que amanhã de manhã será amarelo.
Como hoje de manhã, quando me começou a doer o pé. O pé que já está quase bom, mas agora dói-me a perna do esforço de coxa. Caí ontem com a miúda ao colo e fiquei de joelhos nas pedras da calçada.
Sou tão coitadinha.

18.3.07

after colin


A Britlândia tem um fotógrafo famoso, daqueles que regista postais e livros de mesa de café. O grande mérito do Colin é estar lá sempre nos dias solarengos, registando uma terra de quase-nunca, com uma luz brilhante e uma paleta forte que o enevoado de quase-sempre não deixa vislumbrar aos desprevenidos. O Colin mostrou-me o que nunca vi e o meu obrigada regista-se nestes pequenos momentos de vidinha encenada.

17.3.07

wish knits


Se, em vez da semana empilhada que me espera, eu tivesse uma poltrona e uma bay window, seria assim:
top dress undress whatever

From the top of my head


Assim de repente, acho que também vai ser uma despenteada.

16.3.07

Li no jornal que o Starbucks perdeu a alma e parece que já nem cheira a café.
Hum.
Para mim o Starbucks lembra-me Brighton e consolo. Era de um quentinho macio, com sofás de veludo castanhos e lilás, onde eu afundava os arrepios que trazia do Inverno e da quase-solidão. A mug de capuccino nunca me desiludiu e aprendi a gostar de muffins de morango e chocolate branco. Nas visitas a Londres era também a garantia de um chichi seguro.
Tão bem me sabia aquilo que nem conseguia embirrar com o look corporate. Nunca fui em combinações esquizofrénicas de chocolates, mokas e afins, mas havia sempre canela para temperar a espuma.
Claro que o melhor de todos os cafés era o Metropole, no cimo da Minto Road, nos tempos das terras altas. Era não fumador, tinha jornais, jogos, fatias de bolo e hot drinks servidas em chávenas coloridas e desirmanadas. Ficava à beira de casa e era a nossa versão do sair à noite. Era tão caro para as nossas bolsas de escudos que muitas vezes trocávamos tudo pelo nescafé e os jam donuts do supermercado.
Apercebo-me que isto já foi há dez anos e, estupefacta, abandono aqui a memória dos factos.

14.3.07

baby fly

A miúda está espigada. Assim crescida e alongada. Sinto-a a medrar, todos os dias. Como perdeu a pançota pode ser que se salvem as calças do ano passado. Tem uns pés lindos, esguios. Já não tem rechonchices de bebé. Já não é um bebé, mas às vezes finge-se de bebé, gatinha e diz que não sabe falar. Mas a minha menina diz coisas fantásticas e desafia-me todos os dias. Retém o que lhe digo, mesmo quando não parece. E muitas vezes não parece. É teimosa e forte. Quando não espero, repete-me o ralhete que lhe dei a ela. Fiscaliza-me as opções e as regras. Ando aqui direitinha e coerente. Peço desculpa.
Mas mesmo giro foi virmos hoje a descer as escadas e ela reparar: "Mamã, tens uns sapatos* novos; são tão giros; quando eu for grande também vou ter uns sapatos desses". Eu rejubilei e ele suspirou.

*mas amarelos.

10.3.07

8.3.07

Querida Internet,
Assim de novidades só que a minha filha está a perder a barriguinha de bebé. Escorregam-lhe as calças e foi assim que me apercebi.
Tambem lhe cortei o cabelo e agora tenho uma filha escadeada.
De resto, o meu homem fez 40 anos.
Afadigo-me, não tricoto e preciso de uns sapatos.
Sempre tua,
Ana

(e agora acompanhava uma fotografia enevoada, de ladecos, com a assinatura do fotógrafo em diagonal e em que, pela primeira vez na vida, eu apareceria penteada; mas não vai acontecer, como muitas outras coisas)

25.2.07

hooked



O tamanho da minha ausência de quase tudo o que é extracurricular chegou pelo correio.
Encomendei-os há muitas semanas e enganei-me a digitar o cartão, o que os atrasou outras semanas. Agora vivem em cima da mesa da sala e palavra que ainda não os abri.
Quando não estou a trabalhar, exercito a articulação mental a pensar no que hei-de vestir no dia seguinte. E mais nada. Cá em casa come-se o que calha, para gáudio da criança. A própria criança foi vendida este fim-de-semana.
Um grande amigo, parceiro de tensões e relatórios, que de tão atrasados até parece que já não existem, disse-me no outro dia: tenho tanto que fazer que penso "olha, vou ao cinema". Isto não é o mundo ao contrário, é a vidinha da malta que tem dores de cabeça.
Como é óbvio que nos próximos meses não vou ter tempo para mais nada, decidi hoje, depois de mais um highlighting ("olha, vou ao cabeleireiro"), que vou passar a usar saltos, utilizando os momentos em que tentarei não cair como pausas no trabalho.

14.2.07

must

O cenário. A personagem ciranda pelos stands com um caderninho cheio de post its.
Encena um sorriso afável e dirige-se para o polaco alto e magrinho que já a tinha aturado no dia anterior com remakes de perguntas perguntadas oficialmente, e supostamente respondidas.
A personagem teme que o rapaz não a possa nem ver e começa logo a desculpar-se pela insistência but you see, for us this is really important and since there are no financial guidelines yet (a crítica, no meio sorriso) I am back to bug you about it. And I actually looked for your colleagues, but since there is noone else around I must haunt you again. Sorriso.
O rapaz polaco, alto e magrinho, com aquela corzinha de leste e um sorrisito que quase não chega a ser, responde:
Ok, that's fine. But before you ask the questions I must tell you that today you look great.

[I must tell you that today you look great]

A personagem, estupefacta e mesmo um bocadinho estúpida, semi-sorri, agradece e insiste nos average personnel costs. Só por sorte não lhe afagou o cocoruto, como se faz aos putos.

E porque é que estando eu nesta correria e aflição, cheiinha de trabalho e ainda sem financial guidelines, me ocupo a descrever esta história?
1. porque significa que há esperança de todas nós, mamãs estafadas, recebermos um elogio de um estranho;
2. porque hoje é dia de corações e eu tenho por sorte um há tantos anos, tão bom e há tantos anos, que TODOS OS DIAS me diz coisas destas e eu nunca escrevi um post sobre o assunto, o que é desmerecido e ingrato;

Assim sendo, minha riqueza, obrigada por todos os elogios e isso e gosto mais de ti do que de pão com manteiga.

Já agora, se alguém me souber informar se a cedência de pessoal intra administração pública e entre esta e as IPsFL é tributável de IVA ou não, agradecemos, e poupar-se-á a um coração polaco, alto e magrinho, mais uma canseira.

13.2.07

...


Todos os dias trabalhados lá se multiplicam em dias trabalhados cá e não faço outra coisa senão isso.

5.2.07

like a virgin

A última vez que peguei na tesoura foi na véspera do exame de Fotossíntese, há uma dúzia de anos. Cortei curta e não contei com o que ainda encolhe. Emoldurei-me assim, com canudos compridos e uma franja rasteira, e discorri sobre pigmentos.
Ontem, atulhada de pendentes, ansiosa e um bocadinho disparatada, fui arranjar as unhas. Não contente, pedi as sobrancelhas. As sobrancelhas, aqueles pêlos inofensivos que temos por cima dos olhos. Estou maravilhada até agora, não me canso de ensaiar expressões novas e, tivesse eu tempo para me ver ao espelho, não saía da casa de banho. Não contente com a audácia, despejei um tubo de reflexos acobreados no cocuruto, de luvas, na casa de banho onde me mirava, enquanto eles foram ao jardim das pinhas. Há que anos que não domesticava tais avarias. O cabelo está absolutamente na mesma, mas palavra que o meu espanto tem outro arqueio. Já só me falta emalar a vidinha e voar.

2.2.07

Five ways outside my heart

Para a semana vou estar cinco dias fora. Preocupa-me o eurofrio, mas reconforto-me com a ausência de cinco levantares, cinco banhos, cinco jantares, cinco corridas iguais, seguidas, atrasadas. Vou tomar cinco banhos descansada, vestir cinco roupas na ordem normal das coisas. Eu passo a primeira manhã numa figura deplorável, com meias e roupa interior, às vezes uma t-shirt ou camisola, mas sempre sem a camada exterior enquanto não acabo de vestir e lavar o gremlin. Agora que me visto à senhora, não posso arruinar tanto esforço com acrobacias estridentes, pasta de dentes, xixi, ranhos ou corn flakes. Vou pentear-me ao mesmo tempo que olho para o espelho e, quem sabe, hesitar ou chegar a trocar de roupa.
Claro que vou perder cinco relatos mirabolantes, em que a personagem é perseguida por outras criaturas com menos de um metro, escorrega imaginariamente no recreio, fica irremediavelmente cheia de dói-dóis e chega mesma a ser mordida por um crocodilo. Cinco beijos lambuzados de iogurte, num tresando delicioso a morango, cheio de crocante. Cinco abraços de quadrados azuis e brancos, perdidos de botões. Cinco cantigas esganiçadas e quem sabe cinco palmas.
Vou passar cinco dias a ser crescida, a falar com outros crescidos sobre coisas adultas e levemente incompreensíveis. Não levo fatos porque os casacos não cabem debaixo do meu lindo sobretudo e assim como assim toda a gente anda de fato. Vou pintar os olhos e esticar o cabelo, mas aposto que ninguém me vai dizer que sou a mais linda, nem oferecer-me as flores do passeio.
Vou comer mais do que cinco chocolates e estará a chover o tempo todo.

1.2.07

six different ways inside my heart

Ninguém me encomendou, mas apetece-me replicar o meme:

1. falo de mim na terceira pessoa, o que tende a baralhar interlocutores desavisados; mas a Ana já fez mais isso que agora
2. não gosto de doces verdadeiramente doces, tal como a maioria das combinações de ovos e açúcar da doçaria conventual; prefiro um bolo de arroz; conheço quem ache isto esquisito
3. mexo imenso os dedos dos pés a dormir; chego a acordar com cãibras
4. não gosto de cortar o pão com faca, gosto de tirar bocados tortos à mão
5. não gosto de dormir com portas de armários ou gavetas entreabertas
6. gosto de abacate, beringela, pickles e alheiras; detesto borrego, pescadinhas de rabo na boca e cabidelas; perco as maneiras por doces de requeijão.

27.1.07

für Ana



Há uns dias recebi um repto marital: Olha que tu vê lá; se me chegas a casa a querer pendurar pratos na parede! Esgacei-me, ofendida. Que disparate, afinal só disse que gostava daqueles copos de vidro trabalhados, como a Casa dos Bicos. Por favor.
Mas inquieta-me isto da idade e da degenerescência dos gostos.
Desde ontem que me apetecem pêlos. Golas de pêlos, casacos de pêlos. No outro dia atrasei o passo para, por segundos, considerar uma pequena manta de leopardo. Pareceu-me tão macia, adulta e reconfortante.
Hoje de manhã, num momento quase efemérico, fomos os três às compras. Trouxemos o filme dos carros, um blazer quase-amachucado para o pai, a blusa que eu namorava há semanas: levemente apertada, levemente despropositada nas suas ramagens tijolo sobre fundo azul escuro, e maravilhosa.
Numa atitude infortunadamente descabida, consultei-o sobre uns pêlos regurgitados das caves onde guardam os saldos que nunca vimos na estação. Fez a cara do costume, avaliando-me a veracidade da opção e ela resolve: ò mamã pareces um memé.

Acordo


Andava há meses à procura do fio certo para o meu primeiro grande protocolo.

Cheguei a considerar o Noro silk garden. Apelava-me a coriência de padrão e lã e augurava-o suave. Não consegui escolher uma cor e temi um investimento estripado de perigo. É que eu não gosto de riscas.

Este fio é normal, uma mistura de fibras com bom toque e da espessura certa (que até fiz uma amostra para ver a gauge).

A ver quanto tempo ficará em estufa.

26.1.07

coração quente, amor ardente


mãos frias




Até já tinha começado o mikado das 5 agulhas, mas atrapalhei-me com o polegar. Não tivesse a espécie evoluido tanto e seria mais fácil fazer umas mittens.
Enquanto não volto à chinesice, criei o meu primeiro padrão original:

MittAnas
> montar 28* malhas e tricotar um cós de 2x2;
(é melhor usar para o cós agulhas mais finas; escolher a altura que se quiser de cós)
> tricotar o padrão que apetecer até ter um rectângulo com a altura pretendida, para deixar alguns dedinhos de fora; eu aqui fiz 10cm de torcidos e 5cm de arroz, mas não interessa nada que a mescla não deixa perceber; > coser a lateral até à base do polegar, deixar uma abertura para o dedo e coser até cima;
> com uma agulha de crochet, fazer uma (ou duas) carreira de pauzinhos em volta do buraco, para aquecer o polegar.

*eu queria 28 por causa dos torcidos, mas pode ser outro número, de acordo com a lã utilizada; tem é que dar a volta à mão.

25.1.07

sim

Tenho 34 anos e uma filha. Já estive grávida três vezes.

Da primeira vez tive muitas dores e a natureza escorreu-me a esperança. O meu embrião perdeu o coração e eu comprei, com receita e indicação médica, dorida e cheia de vergonha, medicamentos ostracizados - é possível que não lhe queiram vender isto, vá tentando e não diga para o que é - comprimidos que tratam úlceras mas, ilegalmente, também ajudam a limpar o túmulo. A alternativa legal é a espera ou a curetagem e eu tentei evitar a cicatriz. Tenho uma amiga enfermeira que me contou histórias de quase morte por causa dos comprimidos, vendidos por aí à tablete, com instruções que a aflição não cumpre. Chegam cá esvaídas, às vezes só recuperam com transfusões.

Da segunda vez, com a tristeza confirmada na carteira, na ecografia vazia, esperei pelo jorro que não vinha e tive medo dos comprimidos. Disso e do aviso da médica para que guardasse a prova, o retrato do meu filho ausente, para poder provar no hospital que não tinha feito um aborto, para não correr o risco de ser destratada por já não ter aquilo que mais queria.
Preferi a anestesia e acordei no mesmo sítio onde a minha filha me foi dada, um ano e meio depois. Apertaram-me a mão, fizeram-me festas no rosto. Terei para sempre lágrimas guardadas desse dia.

Aceito que haja pessoas que, chamadas na sua individualidade, votam não. Mas quero uma sociedade que, plural e solidária, descriminalize.

21.1.07

résistance


Ser crescida é desmanchar sem lágrimas um padrão resistente .
Fiquei eu acordade até à uma da manhã (uma da manhã!) para isto. Vá lá, pelo menos levou-me a dor de cabeça da véspera.

20.1.07

sew me



máximo divisor comum

Estes dias são exauridos por causa do vento. Cato em todas as direcções para aproveitar as redes e as marés. Carrego uma lista de objectivos sorridente e bem disposta. Marco alvos sem pudor e giro prioridades com alguns remorsos. É verdade que já não me divirto tanto nos cantos, porque não me encosto. Os conhecimentos são gulosos e volantes, como os buffets. Será que um dia, definitivamente ímpar, deixarei mesmo de comer sentada?

mínimo múltiplo comum

O que eu mais gramava de ser cientista era o discurso orgulhoso do sector primário: Sim, porque eu não sou um middle man, eu cá produzo um bem, o conhecimento. Sabia-me bem esta conversa diopritazada e levemente militante. Agora bolas, fico-me só com o serviço público, já que do conhecimento passei definitivamente para os conhecimentos.
Ontem sentei o dia numa sala apinhada. Na minha cadeirinha estofada, que uma pessoa no público aprende a sobreviver em eventos organizados, ouvi atentamente a mesa e as cadeiras. Na mesa estavam outros como eu, mais velhos e bem sucedidos é certo, mas terciários como eu, quasi-ímpares. Nas cadeiras estavam os pares, primários, produtores. Hoje ainda me dói um bocado a cabeça, mesmo depois da caipirinha no restaurante do adro.

18.1.07

colibrinco


No domingo fiz uns brincos. Na loja, amparada por uma amiga e pela novidade, juntei pedrinhas de cores e metais num tabuleirinho branco. O design foi vertical, um spin-off estético da mosca.
No final fiquei ligeiramente eufórica.
Como em todas estas coisas de mãos, a minha parte preferida é a preparação. Pensar e repensar, escolher as cores, as coisas. Agora, para além de lãs, também colecciono peças de bijutaria.

15.1.07

Expiação

As aves canoras têm cantos extraordinários que resultam de uma mistura de padrões inatos, característico da espécie, e da aprendizagem com as aves mais velhas.
Não faltará pois quem me refira os genes, expressos com vivacidade na progenia, mas a verdade é que eu falo cada vez menos.
O meu marido é socialmente quasi-mudo. Avesso à small talk, fica-lhe pouco para partilhar nos pequenos desencontros da vidinha. Nos últimos tempos queixa-se que, mesmo quando tenta, ninguém o ouve. Mas ele vai fazer 40 daqui a dois meses.
Eu, que agora tricoto no carro, já não faço maratonas de 300 quilómetros. Fico-me cá comigo e poupo-lhe as psicanálises que costumava desfiar na autoestrada.

Explicação

Ò mamã, eu tenho que estar sempre a falar porque depois, se eu não falo, eu fico doente!
Mariana, 14 Janeiro 2007

13.1.07

yarn eye


É um clássico da microscopia, rivalizando apenas com o testículo que havia na Politécnica, preparado há anos para o varrimento.

Neckfly


Desfio hoje as contas desse rosário, infantilmente cruel. Eu não fui bióloga por gostar de bichos, foi mesmo por acaso.

Goldfly


Quando era miúda, apanhava moscas em caixinhas de ourivesaria. Quase sempre as abria a seguir, que aquele zumbido encurralado, depois da vitória inicial, atormentava-me um bocadinho. Coitadas das moscas. Imagino as que ficaram esquecidas, exaustas, num pequeno caixão de plástico, sem algodão.

12.1.07

Best



A minha filha ontem escreveu-me uma carta.
Num bloco de hotel qualquer, esferou uma vontade terna, azul, gráfica, de falar comigo.
Minha doce.

10.1.07

Branca de Neve Atchim e o Anão Feliz

Quando cheguei à escola na segunda-feira mal abria os olhos de ranho, mas cumprimentou-me alegremente com um "Olá mamã, estou doente!".
Ando a comprar-lhe colheradas de xarope com maltesers. Compro-lhe quase tudo com maltesers, um dia destes tenho que actualizar a divisa. Anda contentinha e nunca se queixa. Já vimos os micróbitos no livro do corpo humano. Come bem e abre os olhos para ver mais desenhos animados do que em qualquer outra altura sob a minha jurisdição. Ainda agora, oiço ali a voz ridícula do Mickey. Não tenho forças para desenhos, plasticinas, playmobil et al. Dói-me tudo, menos o istmo. Os micróbitos colinizaram-me, pois claro. Agora que já a negociei para o resto da semana com os avós vou ter que voltar a trabalhar pesada de mim própria. Não há condições. Não vejo a necessidade do Mickey ter uma voz tão ridícula.

9.1.07

Branca de Neve e o Anão Atchim


Em Braga há um restaurante fantástico, atrás de um balcão.
É para quem sabe, encavado numa loja de centro comercial. O Senhor Silva, atrás do balcão em U, como o dos snack-bar dos anos setenta, serve-nos colheradas num ritmo esperto. Foi lá que comi uma fatia de tarte de limão que ainda hoje mo lembra.
Daí que, recordada pela Jane, tenha aproveitado a folga para merengar.

8.1.07

.

Admito que hoje não estou nada bem disposta. Até já compus as pestanas e, de caminho, desalojei os ganchos. O edifício tem um segurança novo. A minha secretária tem compromissos velhos.
Graças ao calendário acabaram-se as festas.
Começa o ano, mas eu não começo nada. Tenho é tudo para acabar.

..

Vim a dormitar no comboio. Esta indulgência sabe-me tanto quanto me irrita. Em vez de ler qualquer coisa, de congeminar tarefas ou ementar o jantar, não, dormito. Casulo-me no casaco novo, macio e, procariótica, quase me sinto a dividir.

...

Tirei-lhe as meias e começou a chorar. Tirei-lhe as meias na brincadeira, debaixo dos meus lençóis de flanela. É verdade que era o meu tiro de partida na prova matinal, mas tentei ser lúdica. Senti-lhe tanto as lágrimas desacordadas que me detive a passar-lhe levemente a mão nas bochechas. Afagava-lhe o acordar quando, de repente, TRÁS. Uma estalada que me borrou o rimel. Emudeci até agora.

7.1.07

Gray's Anatomy


A piéce de resistance dos 40% foi um fato-macaco.
Sempre achei um charme a risca de giz. Prefiro-a mesmo ao olho de perdiz.
Claro que agora vou esforçar-me por desconstruir tanta lousa com despropósitos.

Verde



Ana Maria Magnólia.
Ou a retaguarda do pássaro.

Lilás



Ana Maria Açucena. Ana Maria Clara. Ana Maria Laura.
Agora que ando neste jardinanço tudo me apetece lilás e verde. Beringela e musgo. Beterraba e esmeralda. Das promoções trouxe um casaquinho com cor de amiga e uma malha não promocionada, antes promovida. Deviam proibir estes enganos a pessoas gulosas.

Violeta



É sabido que gosto de rosas amarelas, mas a verdade é que prefiro violetas. Gosto das roxas, escuras, macias e das brancas. Conceptualmente, adoro camélias. As camélias nem são bem flores, são jóias da natureza. Como as magnólias. As camélias são flores para pintar e bordar.
Renovo 2007 com lilás e verde. Lilás é uma cor perfeita e uma palavra favorita. Lilás, lilac, lilly. Seria lindo ter uma filha Lilly. Ou Violet. Violet é muitas vezes um nome do meio. Acho graça aos nomes do meio. Gostava de ter um nome do meio. Ana Maria Violeta.

Padrões de 2006



5.1.07

A escol(h)a

Inquieto-me outra vez com o assunto. Com os filhos nunca mais se descansa, se espera. A espera acabou com o parto, agora é sempre em frente, sempre a bombar. A escola, a escola. Gosto tanto da escola. Lá em casa ainda vivemos na escola e é um assunto importante. As minhas escolas foram públicas, circunstanciais, uma jurisdição geográfica. Quando tive que escolher, escolhi a escola e não o curso. Isso, aconteceu por exemplo.
Ainda hoje tenho apego pelas minhas escolas velhas, pobres, problemáticas, suburbanas. Não posso fingir-me fora delas. À minha escola de crescida retorno um bocadinho todos os dias; profissionalmente é uma das minhas; afectivamente é como a família, dá-me as maiores alegrias e as maiores irritações.
A Mariana gosta da escola. É uma casa grande, cor-de-rosa. Uma escola antiga, nomal, perto de casa. Não é religiosa nem pratica pedagogias sofisticadas. Fazem pinturas e cantam muitas cantigas. Tem um jardim. As minhas escolas nunca tiveram um jardim e eu passei a infância a multiplicar-me em personagens, para habitar o meu quarto. Aprendi a ler com seis anos. Lembro-me perfeitamente de aprender o P.
Mas, como diz o tio do Homem-Aranha, with great power comes great responsability.

4.1.07

yarn-by-sea

Shoreham é uma vila pequenina, com uma high street de meia dúzia de lojas, uma igreja antiga, um restaurante italiano e uma ponte para o mar. Fica ao lado de Brighton e fui lá umas três vezes, conversar com o Ken.
O Ken tem um escritório quentinho, ao lado do dentista. A alcatifa é verde água e o Mac é branco e futurista. O Ken sabe muitas coisas sobre a EU. Almoçámos no italiano e conversámos sobre as coisas do costume e sobre as outras. Ele viveu décadas em ritmo acelerado e agora tinha decidido fazer a coisa por menos. Trabalha sozinho e só aceita as comissões que lhe agradam; ele agrada muito à Comissão. Retive-lhe a calma, a empatia e histórias giras de bastidores. Aprendi que há slogans maiores que resultam de acasos menores, que são as pessoas que têm as i&deias e não o contrário.
Soubesse eu então o que encontrei hoje e tinha-me abastecido em terra.

2.1.07

my guide to making me a better self


Para além de uns óculos escuros pretos, jackie-like, preciso de mais tempo e mais paciência. Tenho uma vida muito boa, mas está um bocado encavalitada em horários e obrigações e isso. Se é para pedir ao ano novo alguma coisa, eu cá gostava da 15% rule.

sete


Troquei um presente mal cabido por um casaco novo. Comecei-lhe um cachecol que me vai dar boa cara. Isso e uma base sofisticada leve, rose éclat. Estou mesmo a ficar uma senhora.

Seis e meio


Flori as pernas e jersey a miúda com cores primárias e fortes. Estreámos o ano assim coloridas, indiscretas. A passagem da véspera foi ressonada com ben-u-ron, que os miúdos são mesmo assim e a noite tinha aquecido mais que a conta. À meia-noite faltaram-me nos braços os quilos que me pesaram no coração. Engoli as bolhinhas e comi mais uma fatia de cheesecake.

30.12.06

27.12.06

noves fora, tudo


Desde 1997, muita vida junta e uma arro(m)ba de filha.

25.12.06

Star system


A miúda divertiu-se à brava e isso é importante.
Feliz Natal.

Not-so-gingerbread-instead-bolachatorrada-house

20.12.06

Caged


Fomos. Três amigas, duas a duas, dançaram a noite de sábado.
Da aventura, ainda guardo sono e a memória da gaiola. Contei a toda a gente e, por isso mesmo, reflecti-me sobre o vôo. Não é a noite que não é como dantes, sou eu que não sou antes. E ser depois é ser assim mesmo, é temer que haja febre, pesar as horas de sono, é ter a porta aberta e não entrar na gaiola. Ou sair dela.
Obrigada querida, por também não teres vergonha de perguntar onde é o bengaleiro, de ser instruída sobre os euros destacáveis, por dares instruções precisas ao taxista. De noite, sempre foste a minha Sininho.

14.12.06

Cranalogia

Tenho a certeza que me destronará, é uma líder. Não o temo e não é por isso que a quero comer. É mesmo por gula. Uma gula voraz, forte, sentida. Uma vontade física de a engolir. Às vezes contento-me com umas mordiscadelas, uns beliscões ternos, uma massagem. Outras vezes só me satisfazia se a devorasse. Se tivesse uma língua grande, de leoa, também a lambia.
Já tenho recuo que me permite apreciar a evolução do petisco. Começou leve como claras, um soufflé de filha com cheiro lácteo. Encorpou-se numa carne tenra, macia, suculenta da gordurinha de bebé. De dia para dia afirma-se, esguia, ágil, fresca. Ainda me restam umas bochechas e compenso-me com abraços apertados e aquele quentinho de cama que lhe roubo sem culpa. Temo ao pensar que qualquer dia me imporá dieta.

11.12.06

Technicolor



Não sei bem quando remisturei a paleta, mas aconteceu. Depois de muita coolness, reapetece-me colorir a vidinha e o guarda-roupa, recuperar a largura do espectro. Fiquei até às tantas a tricotar um arco-íris excessivo, dois novelos diferentes e mesclados, e a ver o Scaramouche. Contentinha, visto-a ainda mais recombinada do que o costume. Tenho cá para mim que tanta coloroterapia lhe estimula a rabinice. Hoje foi de rosa e vermelho. Eu estou de verde, rosa e lilás. Mas mesmo lindo era servir arroz azul no Natal.

Christmas Three


Fizemos a árvore, pela primeira vez com a ajuda dela.

9.12.06

Lady Kluck


A tempo da festividade e a contratempo das tarefas em falta, é o avatar do momento.
Knitty Winter 2006.

5.12.06

scarfberry

necessaire



É verdade que nunca cheguei a dormir de botas, mas palavra que gosto de aconchegar os presentes e partilhar-lhes os sonhos. Deve ser por isso que sempre me entusiasmaram as histórias de brinquedos traquinas e aventuras nocturnas. Deve ser por isso que a minha cabeceira de Natal é um tesouro de quentinhos.
Ontem ofereci-me um presente lindo, tão lindo que ainda estou aos pulinhos. Como já sou crescida, não embrulhei e esperei três semanas, antes passei o serão a contemplá-lo enquanto espreitava as aventuras impossíveis do Ethan.
Hoje apetecia-me ficar na casinha dela a compor as necessidades do meu tricô. Queria fazer o meu arquivo de padrões e instruções, arrumar as agulhas e as gramas de projectos. Queria brincar assim * * *.

4.12.06

...

Ao fim do terceiro dia confesso que já anseio pela ressurreição no meu gabinete. Hoje de manhã até fui capaz de atacar o relatório financeiro e fazer um excelzinho para perceber que não gastei 2748.17 euros públicos que vou doar ao orçamento de Estado como sinal de boa vontade.
Aliás, duas mil setecentas e quarenta e oito vezes deve ser o número aproximado de vezes que a minha filha chamou por mim desde a restauração. Mais dezassete sussurros ou chamadas sonhadas.
O legislador é um homem de família e percebeu que seria impossível gozar mais dias de férias e manter a sanidade da população activa. Isso e cozinhar mais almoços e jantares seguidos. Se cheiro mais um refogado desmaio. Hoje comemos gelatina, que faz bem às unhas.

28.11.06

And a bang on the ear

Bem a jeito para a efeméride, ontem bati com a cabeça na parede. Em frente de todos, com a cataplana ao lume, acertei com força, com muita força, numa ombreira. Ouvi o estrondo a ecoar-me por dentro, fechei os olhos e anunciei-lhes a preocupação com o lume. A seguir, encostei o frappé à pancada e continuei.
Ainda estou tonta. Três anos de rodopio e uma ombreira concorrem para me vacilar. Ela estava feliz, mimada, eufórica com a casinha e a atenção. Recusou o vestido de fada e fui eu que usei o colar. Não faz mal, o bolo da escola tinha smarties e eu em casa consegui salvar o edifício de cenoura do Jamie com o maravilhoso topping de mascarpone e lima. Eu é que sou uma fada e bem que usei o meu uniforme. Isso e os músculos da mão direita.
Não sei bem porque o faço. Porque insisto numa ementa própria, absorvente, que me serve já turva aos da casa. Ela certamente não me saboreia melhor do que a uma caixa de miniaturas e nem sempre posso vestir a Cinderela entre dois palitos no forno, mas de algum modo lhe ofereço o que tenho. Espio-me de ralhos e sobrolhos numa mamã de avental, num bolo torto, recuperado com uma espátula e a vontade de ser capaz. Enformo-me em biscoitos de chocolate, dou-me temperada de sal e mel, tostada de amor. É por isso que o faço, para me oferecer num altar com base de cortiça.

27.11.06

***

Mamã, três anos.

***

Mariana, 3 anos.

22.11.06

Arrivals

Hoje fui à minha escola velha ouvir o meu chefe novo falar coisas novas sobre assuntos velhos, podemos mesmo dizer mortos, embora não menos vivos por isso.
Percebi que eu já fui mais à frente do que sou hoje, que a memória é algo que se aprecia melhor quando já se tem alguma. Eu escolhia sempre o futuro: a ciência que o inventa, o jornalismo que o procura, a novidade, a trend. Hoje valorizo o presente, entusiasma-me a gestão (?!), a mudança contemporânea. Qualquer dia ainda gosto de antas e cromeleques.
Discordo da expressão "X não era do seu tempo". Para além da óbvia impossibilidade física, aborrece-me a injustiça. É exactamente por estas pessoas serem e viverem plenamente o seu tempo que esse tempo evoluiu para outro. Que o mundo gira e avança e isso, que eu também aprendi as frases do senhor.
Depois há a nostalgia. Aquele nevoeiro emocional que nos aporta ao saudosismo, ao "no meu tempo", em que provavelmente nada era consideravelmente melhor ou pior, mas em que o tempo era nosso, porque parece que o tempo é sempre dos jovens, que o agarram com mais força. Nestas plateias geriátricas, cheias de memórias e tempos que não são meus, percebo claramente que o meu tempo é agora. Uma coisa extraordinária no meu chefe é que dá-me sempre vontade de ir a correr trabalhar.

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Esta URL hoje esteve por uma tecla. Mas como senti o encosto suave da memória vou dar mais uns bytes ao seu futuro. Isso, recebi uma generosa oferta de template (que ainda não é este, estou só a experimentar) e lembrei-me que posso retirar os comentários.

20.11.06

Departures

Hoje continuo um bocado arreliada de tudo e até já tomei um comprimido que me aliviou o almoço. Parece que quanto mais me doem os dentes mais a fome me aflige, deve ser psicossomático. Tenho o lábio pleno de vesículas virais numa lástima de contágio e esqueci-me da pomada. De manhã esqueço-me sempre de parte do meu dia que ninguém consegue por na rua tanta tarefa antes das oito. Ela hoje lavou as "ramélias" e os dentes, pelo que não veio o Zovirax. Continuamos a ter "mélguias" lá em casa, o que proporciona mais um unguento e uma necessidade de o aplicar topicamente. Sempre gostei da expressão aplicação tópica.
Amanhã vou fazer uma expressão tópica (assim levezinha e não sistémica) ali para o pé do aeroporto. Convidaram-me para falar sobre coisas de que já falei outras vezes e agora é que me deu para a apreensão. Temo que os sisos não me deixem acabar as frases ou esquecer-me do entusiasmo. A miúda amanhã pode ir com ramélias, agora eu não posso ir assim sisuda.

19.11.06

O doutor já me tinha avisado, vai para uns dez anos. É que eu já conheço o doutor há mais de vinte e cinco, quando me apertava parafusos no céu da boca. Acontece que tenho os sisos mal parados e agora doem-me até às orelhas. Estou tão habituada a incómodos de boca que já só ligo quando os pequenos guinchos dela me parecem intoleráveis e a comida feita de cimento.
Claro que não tenciono fazer nada por enquanto e aproveitei que a miúda e mais os seus guinchos foram caridosamente recolhidos pelos avós para pintar o cabelo. Cheguei lá a pedir uma misericórdia parda, um banho de qualquer coisa, mas não escapei dos pacotinhos de alumínio que guardam mechas molhengadas de caril como se fossem tesouros. E foi naquele preparo de descabelada biónica que foi preciso mudar de cadeira, atravessando a zona pública, onde qualquer incauto que se abastecesse de víveres no Carrefour me pôde apreciar as melenas.
Agora tenho o cabelo mais claro, assim um bocado mais canelado do que a minha estética preferia, e obviamente reencaracolado, mesmo depois dos puxões corajosos da Ana Maria. Mas se eu conseguisse exprimir-me cabalmente nos cabeleireiros tinha era pedido chocolate de leite, como o dela, se há coisa mais linda...

17.11.06

"There is no prize for the second"

Ontem tive uma boa ideia. Até que enfim. Esta semana era das ideias, das pausas. Vagares que antecipam acções, movimentos. Que justificam as horas que desfio sozinha, comigo, com o motor.
Não consigo laborar em contínuo, num gráfico de actividade constante. Se fosse uma linha era uma sinusóide. Resfolego em cima, suspiro em baixo, aceito-me. Não acredito em cristas permanentes e desprezo a rasteirice.
A ideia de ontem pareceu-me tão boa que lhe concedi um caderninho novo.
Nunca escrevo na primeira página, na primeira linha. Resguardo-me com um desfolho e um cabeço de linhas. Escrevo a preto. Há anos que escrevo a preto. Preto no papel macio, casca de ovo. Este template devia ser assim, mas eu lá sei mudar tantos cotovelinhos.
A minha ideia se calhar é uma porcaria sem ponta nem trajecto, mas ontem cumpriu-me e isso já vale alguma coisa. Isso e ter-me tropeçado no meu primeiro grande chefe, a quem devo a escola e o desassombro das escolhas.
Many, many thanks.

15.11.06

Post 910

Escrevo por títulos, por palavras-chave. Visto-me por tema, cozinho por género. Escolho os filmes pelos actores e as músicas do costume. Há anos que os amigos são quase todos os mesmos, ou novos parecidos com eles. Esquerdalha de nascença, sou afinal uma conservadora.
Ele gosta de ir aos mesmos sítios e eu gosto dele. Chegamos a repetir escolhas em momentos breves e locais desconhecidos, a forçar uma regularidade de dois dias. Gosto da minha vila porque não é uma cidade, eu que sou viciada na cidade.
Derivo. Muito facilmente derivo, já tive três profissões. Não sei o que escrever nos formulários, o que ensinar à miúda para dizer na escola.
O que faz a tua mamã?
A mamã escreve títulos.

Começo um relatório pelo índice, faço óptimos índices. Nunca decorei o título da tese porque não era um título, mas uma condescendência amanuense. Devia ter-lhe chamado "Uma aventura nas terras azuis" ou "Poison ivy". A tese mais linda que já vi era a da minha amiga.
Dá-me um trabalhão criar eventos na vidinha. Os acontecimentos orientam-me os dias, as disposições. Tenho semanas ancoradas em epifenómenos. Custa-me rolar a agenda numa velocidade constante. Trabalho muito e não trabalho nada. Tenho uma vontade fugidia, mimada. Preciso desesperadamente de marcos, compromissos com dia e hora. Se fosse um objecto era uma agenda e daria uma boa secretária. Assim sendo navego no calendário, marcando-me sem muita convicção.
15 de Novembro, 10:15, escrever post inconsequente.

13.11.06

Baby pink



Olhando-me, aqui no blog por exemplo, diria que sou uma mamã entre o fucshia e o lilás.
A coisa não é fácil e não é como mais nenhuma outra coisa difícil. Eu não sabia ao que ia, acho que ninguém sabe. É impossível imaginá-los e a nós e ao mundo connosco. Tem tanto de extraordinário como de aterrador. Lembro-me de um jantar, no Kalpna, onde a mulher do meu chefe, mãe de três, nos confessava, e a si própria, que os momentos mais maravilhosos e os mais devastadores lhe tinham chegado com os filhos, pelos filhos. Entre os vários serões que partilhámos (incluindo as narrativas das tentativas de depilação - dele) este é o momento que mais me ocorre. Talvez competindo com a vez em que agradeceu alegremente a garrafa de Porto privado de 1947, enquanto a limpava com um esfregão (sujinho, hem?) e vertia estrondosamente em copos de whisky.
Claro que a culpa não é dos putos, é nossa. A minha é mesmo muito minha. Muito mais minha do que de qualquer outra entidade singular ou colectiva. E o mais irritante de tudo é esta certeza de que contribuo para a propagação do equívoco, que o inflatuo e transporto, que quase o acarinho. Mil vezes estúpida. Hipoteco o humor com frustrações de cotão, (des)oportunidades pedagógicas e jantares insonsos. Culpo-me por todos os lados menos por um que é o istmo. Peninsulo-me, às vezes muito estreitinha, quase a derivar. Quero ser confiante, calma, segura, competente, alegre, sexy, divertida, inteligente e já agora ter o cabelo liso. Sou muitas vezes hesitante, instável, furiosa, desligada, olheirenta e, definitivamente, encaracolada. E isso é que é normal. Os superpoderes de almanaque trazem aos heróis uma profunda solidão.

[via mothern, para ler na Época]

11.11.06

Pais II


E passamos a usar o coração fora do corpo.

Pais I


Os filhos mudam-nos o centro de massa.

10.11.06

Preciso de uma mola nova para o cabelo. Não sei da minha mola castanha e agora estou inquieta. Uma boa mola é difícil de encontrar. Tem que ter um bom tom, dentes macios e um formato médio, nem grande, nem inútil.
Uma boa mola de cabelo é um objecto íntimo. Acompanha-nos nos momentos de maior trabalho, stress, calor. Perde-se na mala, mas está sempre lá (onde estás, mola?). Não pode ter ar de cabeleireiro, tem que ser elegante, embora também se use para lavar a cara. Vai às reuniões e faz o jantar. É hierarquicamente superior aos elásticos. Procuro-a.
Se há coisa que prejudica um filho único, é não aprender a dividir sobremesas. Eu nunca vivi o "um parte e o outro escolhe". O resultado é ser incapaz de discutir por comida e sequer assegurar uma quantidade decente de sobremesa quando partilho maritalmente uma fatia de açúcar. Agora chegou a ajuda.

5.11.06

Our way



Querida Mariana,
Estás quase a fazer três anos e vais ter o teu primeiro vestido de fada. Serás uma fada dos bosques, verde e lilás. Ainda não arranjei foi sapatos capazes para dares pulinhos de alegria encantados.
Estás tão pesada que já não consigo fingir que és bebé. Desequilibro-me nos colos e até já te acertei com a cabeça na porta do carro. É verdade que sabes subir sozinha para a cadeira, mas gosto de proteger-te da chuva no chão, do trânsito do lado.
Insisto no carrinho para os caminhos compridos ou populosos, mas já negoceio contigo os cintos e as descidas.
Falas tanto e dizes coisas tão engraçadas. Hesito entre corrigir-te a gramática ou deliciar-me com as irregularidades. Eu não sabo. Eu trazi. Mais grande.
Continua a apetecer-me engolir-te. Guardar-te como os tesouros. Já sabes que estavas na barriga da mãe. Que eras pequenina. Muito pequenina. Juntas as mãos num tamanho minúsculo, a explicar-me quão pequenina. Engulo-te.
De manhã vou buscar-te e aperto-te no quentinho. Nunca me apetece sair dali, mas eventualmente tu lembras-te dos livros ou eu fico responsável. Às vezes grito contigo de manhã. Que coisa horrorosa.
Gosto mais de ti do que de pão com manteiga.

Take 2

Tive o meu primeiro email em 1995. O programa era muito simples e corria em Unix. Eram os tempos do Mosaic e das primeiras conversas em tempo real por Telnet. Apaixonei-me por email, mas nunca gostei das conversas de monitor. Nesses tempos quem andava na rede era a malta das Universidades, em especial os estudantes de ciências. Um dia recebi um email dum tipo do Técnico, a meter conversa. Nessa altura eram comuns as famílias virtuais entre os miúdos que passavam (des)horas on-line. A minha resposta foi get a life (antipaticazinha, hum?). Parece que agora é mesmo possível conseguir uma.
Hoje o jornal explica-nos tudo.