story:tell:her

27.4.06

Hoje calcei finalmente as sandálias. O mundo parece-me ligeiramente torto e eu devo parecer torta ao mundo. Praguejei várias vezes antes de sair de casa. Ai, que mau feitio. Mas, das várias coisas que me aborrecem, uma delas é demorar para sair de casa. Claro que a miúda quis fazer xixi no último minuto. Claro que chegou mesmo a ameaçar um cocó. Claro que subo vezes sem conta para resgatar mais qualquer coisa, para espirrar o perfume ou pincelar as bochechas, para procurar a chucha, para desligar a internet, para o caraças. Saio sempre desabada, semi perfumada e semi corada. Às vezes esqueço-me de me pentear. Os colares e as pulseiras vão na mala e às vezes não saem de lá. Ela hoje pediu-me a pulseira emprestada. Achei tão giro. Pediu para a mãe empestá a pulseira. É tão gira, a pulseira. E a miúda. Adoro-a, parece que tem bombons enfiados. A pulseira.
Hoje fazemos 100 meses de maridinhos e ela 29 meses de miúda. Endireito-me.

25.4.06

Mima


Balansó



A minha pesca.

A pesca dela.

24.4.06

anti-pop

No domingo arrastei o meu (des)agregado familiar para um restaurante vegetariano cá na terra, com telhado de palha e o melhor pão dos últimos tempos. Mas não correu bem. Eu gostei do meu tofu com cogumelos, mas ele sorveu a custo a massa com algas e a miúda repeliu determinada tudo menos o crepe de legumes, acabando ostensivamente a comer bolachas Maria.
O restaurante é muito bonito e estava um dia lindo e isso, mas não estou a ver modo de lá voltar agregada. E depois eu acho graça ao estilo, assim fibras naturais e isso, sumos naturais e isso, slow food e isso. A empregada tinha uns brincos da colecção daqueles que me atormentam, mas em azul. Também eram giros.
E não é que hoje ele me toca no carro a música da celebração e era toda tofu e isso? Ele diz que não, mas era. Para a próxima vamos ao tibetano.

ANAkin

Pois é verdade que não tenho andado muito bem disposta, pois é. A minha amiga Ana até já me ameaçou de deixar de vir aqui se eu não me animar. Upa Ana, Upa, vamos lá a animar.
Há bocado trouxe a Pais e Filhos do Minipreço porque na capa prometia mostrar-me o lado negro da maternidade. Ah! Surpreendam-me... Também dizia que ser mãe aumenta a inteligência e por essa, por essa eu não esperava.
Quem já me espiolhou aqui sabe que para mim as mothernices têm espinhos. Este blog não é cor-de-rosa. Cor-de-rosa são os brincos que experimentei com a outra Ana e que agora me atentam o juízo. Mas hoje gastei 85 euros na médica número um e na quarta preparo 60 para a médica número dois. A médica número um simpatizou com as minhas dores espirituais porque tem dois filhos pequenos e não me encontrou razão de monta para as dores materiais. Ela, por exemplo, confirma aquilo da inteligência. Ganha 85 euros em 20 minutos e tem dois filhos pequenos. Não é que eu ache que os médicos ganham demais, que não acho. Eu nunca mexi em nada mais importante do que uma célula vegetal ou uma folha excel e pagam-me para isso.
Daí que os brincos cor-de-rosa necessitem de um enquadramento mais depressivo. Ou não, que eu desde que conheço o lado negro da força passei a mimar-me com grande facilidade. É que ninguém toma conta das mães (só os pais das mães, mas esses não contam bem, porque afinal os pais e as mães nunca contam muito).
A miúda tem um ranho verde, mas não tem febre, o que é bom. Eu agora estou concentrada no lado bom. O lado bom está cheio das coisas giras que ela diz. No outro dia chafurdava no copo da água com a colher enquanto eu fingia que não via e ela perguntou a pergunta: O quéque a Miana tá a faxer? Eu respondi a resposta: Não sei... e ela disse Tá a faxer dispaátes.
Eu como ando descompensada (seja lá isto o que for, mas parece-me apropriado) também trouxe do Minipreço dois chocolates e um frasco de chocolate para barrar. Mas estou tão parva que me apeteceu trazer chocolate de leite, quando eu só gosto do preto e a porcaria do creme não se parece nada com o tulicreme de avelãs com que sonhei no outro dia. Na minha casa quase nunca havia tulicreme, mas eu lembro-me tão bem do sabor. Ainda há tulicreme? Uma amiga mandou-me comer chocolate para a choraminguice. Também trouxe do Minipreço uma revista de culinária da Vaqueiro. Não sei se era desta que falava a Ana dos brincos mefistofélicos, mas se ela compra revistas de culinária eu também compro. Este comportamento é típico das mães, isto de fazerem o que os outros fazem.
Agora estou um bocado mais animada porque marcámos umas mini-férias e eu vou ter três dias de pequeno-almoço buffet e ela não. Claro que o espectro da culpa me atormenta, mas estou mais que pronta para baixar a viseira e afastar as urtigas com o meu sabre de luz.

21.4.06

Spill(it)over

Ontem, fui, hormonalmente descompensada e suficientemente auto-comiserada, leiloar dificuldades e acordar pendentes institucionalmente mastodônticos. Semi-sucedi e segui para um seminário na minha ex-escola, que prometia spillovers de conhecimento no sistema de inovação português. Nem mais. Não percebi a econometria, mas acho sempre um charme discutir deflatores e taxas de depreciação.
Mas verdadeiramente revelador foi a conversa de corredor. Um colega, pai de dois, queixou-se de tal modo que parecia eu. Parecia mesmo eu, no meu pior. Que a malta vai ao engano, que ninguém avisa que isto é assim. Desesperado, chegou a matriciar uma análise custo-benefício. Mal. Outro colega, pai de três, mais velho, explicou-nos que os miúdos são centros de custos puros e que o retorno é a longo prazo.
Eu volto para casa, tarde, plena de jargão e consolada de queixas alheias, depois do banho, da escova e do pijama, e encontro a beatitude de uma paz familiar alegre e carinhosa. Parecia uma fábula. A minha miúda esteve deslumbrante, carinhosa, em todos os aspectos adorável. Será que achou que eu (me) tinha pirado? Não sei, mas apeteceu-me lambê-la ou mesmo engoli-a, para depois acariciar a barriga e ronronar.

20.4.06

Piromania

Confirma-se. Atravessei o espelho. Saí e deixei-me ficar lá sozinha. Vista de fora pareço eu, mas eu sei que estou vazia porque me pirei. Estou pirada. Ela já aprendeu o meu nome. A mamã chama-se Ana M... Gosto de a ouvir dizer-me. Eu, que ainda estranho o nome completo dela.
Há três anos que estou cansada. Estou sempre cansada. Agora até já durmo noites inteiras, agora até já não me levanto de noite. É verdade que acordo à bombeiro, sempre em emergência, em sirene. Sempre em falta. Estou sempre em falta. Vivo de crédito. Compro vidinha a juros, abato prestações, mas continuo hipotecada. Estou hipotecada para a vida com a filha dos meus sonhos, com a vida dos meus sonhos. Conheço outras como eu, encontro outras como eu.
Olho para mim e percebo que o cabelo não está com bom corte, que devia por creme nas mãos e nos olhos. Estou franzida nas fotografias. Percebo que não tenho boa cara quando me perguntam se estou doente. Doente? Não... Quer dizer, tenho uma tosse, mas nada de especial e sim, doem-me umas partes, mas já não me lembro de não ter algum incómodo, de ser cómoda. Vivo incomodada e já não penso nisso. Incomodam-me os prazos, as escolhas constantes, as pedagogias de almanaque, os ralhetes, as burocracias, os calendários. Listas e calendários, a vida agenda-se e os compromissos parecem pulgas, a saltar. Atiro a bola para a frente. Atiro-me para a frente.

19.4.06

Preciso de um hobby ou fico doida. Alguma coisa que me distraia e não seja tão perniciosa como ir às compras, que é a única coisa que eu faço e que não preciso tanto de fazer. O resto é tudo preciso. O trabalho precisa, a miúda precisa, o frigorífico precisa. O meu guarda-roupa não precisa tanto, mas é a única coisa que me distrai e que se consegue fazer assim, aos bocadinhos roubados. Ora isto é muito triste. Preciso de pensar rapidamente numa coisa que me alegre, distraia e já agora não magoe. Ontem, no meio de uma reunião séria e sénior, descobri o mundo do rugby. O chefe era um homem do rugby e aquilo é coisa para a vida, para os filhos e cadilhos. Listaram-me operações e feridas várias, mais o espírito e o carácter e isso. Mas eu rugby não me calha. Gosto das camisolas, andei anos a namorar a da selecção escocesa. Pode ser que a traga quando um dia lá for de turista.
Cursos também não dá que eu agora tenho um trabalho sério e não posso fugir manhãs sem que se perceba. E à noite vou fazer mais meio-dia lá em casa. Ontem fiz caril de tofu. Acho que só eu é que gostei. Ele não cozinha mas é uma boca santa, pelo que lá comeu a inovação. Ela já estava tão cansada que petiscou. Ontem tivemo-las lá em casa. Aquelas que não sabemos se existem. Logo à chegada a miúda tralhou-se nas escada e engalarou a testa. Depois escorregou na banheira. Depois já não me lembrou porque entrei em negação e fui fazer o tofu. Preciso mesmo de um hobby. Se calhar já estou doida.

18.4.06

Novas

Da escola, o trabalho da Páscoa vinha embrulhado em papel crepe azul turquesa, com um laço amarelo*. Imaginei coelhos, ovos, sei lá. Mas era um cavalinho de madeira. Vermelho com bolas de cores. Muito giro, o cavalinho. Tem velcro nas patas para se guardar na casinha, também pintada. Já me esqueci foi do nome. É uma figura da Suécia (?!) que as crianças pintaram no âmbito dos trabalhos sobre a Europa (?!). A minha filha ainda não tem dois anos e meio, mas já é uma cidadã euroincluída.

Xixi, xixi por todo o lado. Três gotas no potinho e o resto por onde calha. Depois de quatro pares de calças em menos de uma hora, achei que estava frio e que já lá íamos outra vez. Ontem percebi que afinal os miúdos não vão desfraldar todos ao mesmo tempo. A minha e outra foram "escolhidas", por serem as mais autónomas, para começarem primeiro. Pela amostra, temo pela autonomia sanitária da salinha azul.

Sobre a Páscoa: fiz um folar, com ovo e tudo. Acho um piadão ao fermento de padeiro.


*a Suécia, pois claro, azul e amarelo...?!

13.4.06

Esta noite sonhei com a Escócia. Chegávamos de noite, de autocarro, eu e a Ana S. Entrámos pelo west end da Princes Street. Eu vi o Scott Monument e avisei-a de que tinhamos que sair. Estava a chover miudinho. Eu esqueci-me da bagagem no autocarro. Atravessámos a South Bridge e eu contei-lhe que o vale do castelo era um pântano seco. Acordei cheia de saudades. A Mariana choramingava por mim e ainda não eram seis e meia. Lembrei-me da manta de rosetas coloridas que comprei numa boot sale. Quem me dera tê-la trazido. O que eu gostava da manta. Custou duas libras ou assim e tinha vários buracos. Lembrei-me das folhas de papel de embrulho coloridas que eu usava na secretária do office. Lembrei-me de mim e da Ana na Holanda, há 10 anos.

12.4.06

Deixei de cumprir prazos. Agora ocupo-me a gerir atrasos.

Já me apercebi disto há uns tempos, mas ainda não tinha oportunidade de o registar. Estava atrasada.

11.4.06

Acabou de me ocorrer uma ideia maravilhosa: vou comprar pastéis de massa tenra para o jantar. De repente esta epifânia revitalizou-me. Aparto-me da porcaria da licença expirada do SPSS (depois de um trabalhão perseverante que me entupiu de variáveis que agora preciso de standardizar, mas não é que isto interesse), dos orçamentos engatados e das chaves de imputação de overheads. Fecho o excel e abro uma janela para partilhar com o mundo a boa nova: pastéis de massa tenra com salada e arroz de tomate que sobrou de ontem. Pimba. Encestei. Score: Ana-1, vidinha-0.
Aleluia.

Puzzled



Os puzzles são a brincadeira do momento. Gosta daqueles que vêm nos livros e já os faz com uma rapidez que me lembre os artistas do cubo mágico. Precisamos de um upgrade. Eu também gosto de fazer puzzles. Sempre gostei. Gosto dos feitios das peças, invento-lhes uma história enquanto procuro a peça seguinte. Gosto de fazer puzzles sozinha, claro. Gosto muito de estar sozinha, não me levem a mal. Sou filha única, toda a vida vivi só comigo, aprendi a desmultiplicar-me para não me aborrecer. Às vezes agora tenho saudades de estar sozinha e apetece-me um bocadinho de mim. Há uma série de coisas que não gosto de fazer em grupo e reservo: estudar, fazer compras, ir à casa de banho, passear nas livrarias, ir ao médico. Não sou, definitivamente, gregária. Não preciso que me levem a casa, não tenho medo de ficar sozinha, ou ir sozinha, ou comer sozinha ou sei lá. Por isso é que vou com ela para onde for preciso, faço o que for preciso. Até já ponho gasolina e guio na cidade grande. Escolho com facilidade, não preciso de segundas opiniões, raramente pergunto se estou bem, acredito-me. Gosto de elogios, mas não estou habituada a eles. Envergonho-me com cumprimentos. Encaixo-me.

9.4.06

No banco



Por desacato ao árbitro.


A mamã e o balde de água com detergente.

8.4.06

Upa



Abriu a época. Ontem o meu marido regou os tapetes de relva artifical no quintal e hoje eu empoleirei-me numas sandálias. A criança está a portar-se bem e vai deixar as fraldas. Fomos almoçar ao indiano ali de trás e o choro não foi nosso. A minha Mariana era "a menina que se está a portar bem, vês?", dentro do estilo, claro, com gargalhadas desbragadas e cantorias e empurrarres de carrinho por entre as mesas. Ah! A minha filha foi a que se portou bem! Isto é inaudito e merece ser guardado. Nós até gostamos do indiano ali de trás porque nunca tem ninguém. Como também diz um amigo, desde há dois anos que saio sempre dos restaurantes a pedir desculpa. A minha coroa de glória foi um jantar no Bairro Alto com um casal gay canadiano, acabado de conhecer, que me convidou para jantar sem saber que eu era uma mãe de família. Enganei-os bem. Mas hoje não. Hoje saimos em glória. Pena não ter levado as sandálias.

Eu precisava era de uns ténis, mas comprei umas sandálias. Altas. Lindas. Não me resisti no espelho. Obriga-me a andar direita e talvez deixe de olhar tanto para baixo. Claro que já pensei que vou levar umas sapatilhas para empurrar o carrinho até à escola. Depois deixo-as no saco de rede do carrinho e subo-me para a cidade. Já está tudo pensado. Para uma completa ascensão estival só me faltam uns vestidinhos.

Não sei nada de xixis e cocós. Tenho que ler a teoria. Isso e comprar-lhe cuecas. Não tem cuecas, a minha patanisca. Parece que a escola quer cinco mudas de roupa. Na segunda-feira depois da Páscoa já não pode levar fralda. Imagino os ovos de chocolate.

6.4.06

Lêndeas

É verdade que não tenho muito tempo, que as minhas horas fora de casa se consomem em escrituras e leituras mais ou menos oficiais e que as minhas horas dentro de casa se afogam em banhos, refogados e baba na almofada. Mas não é só isso. Sou eu que estou d/escrita, des/palavrada. Vi o Crash e não disse nada. Decidi cortar o cabelo e ainda nem cortei nem falei disso. Atraso-me. Nem me queixo nem nada. Vivo e não conto. Semeio lêndeas de quotidiano.

Bastidores

Uma das graças de ter uma Universidade inteira com que trabalhar é a diversidade de "clientes" que o meu gabinete apoia. Ontem, depois de me perder por mundos e fundos descobri um trabalho delicioso. Hoje empreenderei.

4.4.06



Metade dos genes da minha filha provêm desta pessoa, que aqui vemos em queda livre, rasteirinha, mas em queda.
Porque é que então me preocupo com as marcas da varicela? Numa criança que corre muito mais do que todos avaliam, que gosta de gritar enquanto corre, que sobe à macaco pela vedação do quintal e pede à pobre mãe para fazer corridas com o carrinho, esperam-se marcas de vida superiores à da varicela.
Mas estou tão triste com aquilo. Foi um grande azar e não me pesa a culpa, que ninguém tem culpa e ela nem coçou. A do nariz talvez disfarce, mas no meio da testa e na sobrancelha estão duas craterazinhas que não me canso de avaliar. Snif. Quem me dera que fossem minhas.

3.4.06

WeakEnd

Este fim-de-semana enchi-me de mim. No sábado fui às compras e ontem arrumei os armários. Ensaquei 90 litros de sobras, o que me parece uma enormidade. É impressionante o que uma fêmea acumula na sua toca. O que mais me dana são os frascos meios de creme. Os frascos deviam ser mais pequenos. Sou particularmente atraída por porcarias que prometem cabelos mais lisos. E que, obviamente, são uma mentira, o que eu descubro logo na primeira utilização. Ensaquei finalmente as jardineiras que arrastei durante a faculdade. Resgatei à última a camisola do Natal, que já não usei neste Natal. Reencontrei coisas de que já não me lembrava e despachei para panos parte das T-shirts ex-brancas. A piolha entornou-me várias vezes as pilhas de passado e elegeu um cinto cor-de-laranja (cor-de-laranja?) como o fetiche da tarde. Hesitei por vezes com o argumento do bau retro que a filha adolescente gostará de encontrar, mas a verdade é que a maior parte da roupa de agora é mesmo de usar e deitar fora, sem fôlego para vintage. Agora a mala, aquela que eu trouxe no sábado da Av. da Liberdade, daquele sítio onde obrigada, mas não vale a pena fazer um cartão de cliente, aquela mala que foram "preparar" e que escoltaram até à porta*, essa pode ser que ela queira resgatar-me um dia e usar com as Levis guardadas, aquelas que também fui eu que ganhei para comprar.


*e onde por acaso se esqueceram de um alarme que me buzinou a extravagância noutras lojas daquelas onde eu nunca tinha entrado e cada cliente parece valer 10 vezes o preço da minha linda mala.