story:tell:her

27.2.08

A vida em Marte

Les contours de votre nouvelle vie s'esquissent. En attendant que s'impose une direction définitive, la diversité régnera et le travail sera accaparant. Mars (énergie) dopera vos neurones et votres fantaisie fera merveille.

Pois. Estou a ver. Está bem. Trabalho e pronto. Pronto, trabalho e isso.
Não há qualquer outra esperança para a minha Primavera.

23.2.08

discrevo

Imagino que deixei a minha para ventriloquar a ciência dos outros. Faço-o de muitas maneiras diferentes e ainda não me arrependi. É verdade que às vezes pingo uma nostalgia breve - acabo de segurar o meu velho livro verde - mas já nem os motores me encontram o passado e tão somente a metainvestigação.
Reincido na tra(ns)dução com dois textos da conferência; um homem livre e uma das pouquíssimas mulheres.
Aprendo o significado de bestow: Ana bestows herself in far too many activities and she is a little tired.
Literalmente, a tradução estranha-se e depois entranha-se. Fica-se possuído pelas ideias dos outros, dá-se-lhe uma nova voz, que não tinham porque as palavras não são iguais em todas as línguas. Imagino como será fazer traduções literárias. Replicar o meme com respeito e honestidade.
Às vezes é difícil não esgravatar o texto e aparecer. Não arrebitar ou corrigir o discurso. Traduzir é um exercício de discrição, não de descrição.
Calha-me bem, que funciono melhor na média luz*.

*Se fosse um candeeiro era um daqueles verdes, de biblioteca americana.

21.2.08

A minha filha está viciada em pensos rápidos.
Não lhe dói nada, não tem senão espigões e peles, mas inventa chagas sanguinolentas só para se enfeitar. Não admite uma saia, mas ainda assim é uma fashionista.

*

Ontem foi o meu dia. Tudo me correu bem. Tão bem que hoje já me parece que sonhei. Os meus dez minutos de fama foram na verdade meses, mesmo anos, de trabalho. Quanto mais natural parece, mais trabalhada está a coisa. Eu não acredito no improviso, na bucha, no ver se calha. Nenhum projecto tem apenas custos directos.
Ainda por cima levei um vestido perfeito por cima das skinny.
Sou, de facto, fantástica.

16.2.08

con_s/v_er_v/sa

Não, não se pode dizer que eu seja conservadora. Materialmente conservadora. Tenho poucos objectos históricos, o meu armário é aliás um corropio. Suponho que não devia ter dado o casaco de veludo, mas até isso seguiu. Guardei pouquíssimas roupinhas dela, uma chucha que não sei bem onde está e um falcon com o resto do cordão (argh). Não tenciono guardar dentes.

Conservador nos objectos para não o ser nas ideias.

Mantenho o saco preto das viagens. Emala a minha vida para uma semana ou três meses. Foi comigo a todo o lado. A minha aliança, os dois anéis. O meu pente azul. E está feito.
Não sei o que tentaria levar numa aflição. As fotografias de papel.
Quer isto dizer que tenho o intelecto forma/olizado?

12.2.08

Da categoria das palavras memoráveis: olvido, ordálio.

11.2.08

grafos



Como toda a gente, eu já tive muitas letras. Umas sinceras, outras produzidas. Ainda hoje escrevo com uma forma diferente em função da caneta, do papel, do texto, do destinatário. Na verdade, escrevo pouco à mão. Alguns apontamentos e brain stormings, listas de compras e de tarefas. Pensando bem, quase toda a minha manuscrita se reduz a lembranças e tarefas.
Reconheço meia dúzia de letras próximas - letras que também já escreveram e escrevem a minha vida. Estranho não conhecer a letra de tanta gente conhecida. (Re)conheço-lhes talvez o estilo dos emails.
Continuo a gostar de manusear as palavras, por vezes confortável outras impaciente. Não gosto particularmente de assinar.
Escrevo a preto, com feltro médio ou esferográfica grossa. Detesto canetas fininhas e já não uso tinta há que anos. Carrego médio mais, nunca hesito, como quando a ponta parece ensaiar o salto. Não uso a primeira linha e levito o pautado. Tenho várias formas para a mesma letra. Sou incapaz de escrever tudo em maiúsculas, até nos formulários me custa.

10.2.08

Eu gosto de sair à noite, ele gosta de sair de manhã. A menina gosta de sair.

7.2.08

Tenho saudades de estudar. Enquanto percorro o campus - estafeto documentos só para poder sair um bocadinho à rua - invejo-lhes os jeans descansados nos degraus, os ténis desacelerados, quase trôpegos, as fotocópias quentes.
Outro dia, no meio da trituradora, o meu chefe recordava os muitos meses que há muitos anos passou numa biblioteca no meio da América. Que o mais fantástico de tudo era não ter que falar com ninguém. Viver um silêncio monástico, confortável, entre os livros. Que agora não se conseguia calar os dias inteiros. Uma canseira.
Pois eu, que tenho fama de conversadora, também só me apetece estar calada. Ouço tantos disparates que preciso de resguardar-me da tentação de os confrontar com outros.
Uma vez ditas, as ideias começam logo a envelhecer e eu não consigo produzir mais ideias tão depressa quanto me exige o diálogo, o discurso, o caraças do debate.

5.2.08

intarsia


Intarsia é uma palavra fantástica.

mi_roir

Sim, gosto muito de ver o House, mas prefiro a Anatomia.
Outro dia, assisti a médicos crescidos, e outros crescidos não médicos, a gabar o Greg e a desfazer na Grey. Percebo que as razões deles são também as minhas, ao contrário. Sinto o explicável apelo da dimensão pessoal, romântica. Vivo uma vida da idade da deles. Tenho amigos como aqueles. Mas, muito mais relevante, é que eu também ainda estou em treino. Os crescidos divertem-se com o delírio brilhante do mestre. Eu preciso dos medos dos outros, das dúvidas e do consolo de que, pelo menos, não corro o risco de matar ninguém.

Post update:
You’re Meredith
Life has a way of handing out so many hard knocks that sometimes you just want to give up. And yet you always find a way to keep things hanging on. A little hope is a dangerous thing but you’ve earned the right to real happiness, go grab some for yourself.
Mas eu gostava do facto de serem encadernados a pano, e também gostava da forma: vinte e três centímetros e cinquenta por dezoito centímetros e quarenta, o que os tornava um pouco mais pequenos e largos do que a maior parte dos cadernos. Não sou capaz de explicar porquê, mas a verdade é que achava essas dimensões profundamente satisfatórias e, quando peguei pela primeira vez no caderno, senti uma súbita e incompreensível erupção de bem-estar. Restavam apenas quatro desses cadernos e cada um tinha uma cor diferente: preto, vermelho, castanho, azul. Escolhi o caderno azul, que era o que estava em cima.

Não havia neles nada de luxoso, nada que desse nas vistas. Não, aqueles cadernos eram muito simplesmente um artigo prático - resistente, despretensioso, útil, de maneira nenhuma o livro em branco que poderíamos escolher como prenda para um amigo.

Wrong, Mr. Auster, you are so very wrong.
Havia também uma pilha de cadernos alemães e outra de cadernos portugueses. Os cadernos portugueses exerciam sobre mim um fascínio muito especial e eu sabia que não resistiria àquelas capas duras, àquelas linhas quadriculadas, àqueles cadernos costurados de papel robusto, sólido, imune a todo o tipo de borrões.

Ocorre-me que todos os meus bons amigos gostam de cadernos e caderninhos. É uma partilha como qualquer outra, mas consola-me sabê-los comigo neste pequeno prazer.

joint (ad)venture

Perdi o filme e o resto. Tenho pena, como as galinhas. Consolo-me com as músicas e a certeza de que I just don't think I'll ever get over you (in a good, lively way).

2.2.08

ceci n'est pas une plaie


É um dedo fashion.

campo grande follies

Eu sou daquelas pessoas que precisam de alguma pressão para produzir mais e melhor. Por coincidência ou procura, quase sempre me enquadrei entre deadlines. Na minha escola os exames eram por época, sem frequências, um tudo ou nada académico que nos recolhia durante semanas. No laboratório havia sempre mais um resultado pendente, uma expectativa, mais um bocado de gene novo na base de dados (na altura as bases de dados ainda traziam verdadeiras novidades todas as semanas), um paper publicado pela concorrência. Publish or perish.
Depois vieram as redacções e um relógio verdadeiramente implacável. Todos os dias há um jornal novo, as notícias finam-se ao minuto. Publish or publish.
Nas últimas semanas revivi isto tudo e mais um queijo. O texto, os números, as ideias, a política, as correcções, a política, a edição, os títulos, as páginas, o formato, a política, outra vez os números, a hifenização, o número de parágrafos, a gráfica, os documentos de suporte, o calendário. Falta o queijo. Falta sempre qualquer coisa. Perish or perish.