story:tell:her

27.1.07

für Ana



Há uns dias recebi um repto marital: Olha que tu vê lá; se me chegas a casa a querer pendurar pratos na parede! Esgacei-me, ofendida. Que disparate, afinal só disse que gostava daqueles copos de vidro trabalhados, como a Casa dos Bicos. Por favor.
Mas inquieta-me isto da idade e da degenerescência dos gostos.
Desde ontem que me apetecem pêlos. Golas de pêlos, casacos de pêlos. No outro dia atrasei o passo para, por segundos, considerar uma pequena manta de leopardo. Pareceu-me tão macia, adulta e reconfortante.
Hoje de manhã, num momento quase efemérico, fomos os três às compras. Trouxemos o filme dos carros, um blazer quase-amachucado para o pai, a blusa que eu namorava há semanas: levemente apertada, levemente despropositada nas suas ramagens tijolo sobre fundo azul escuro, e maravilhosa.
Numa atitude infortunadamente descabida, consultei-o sobre uns pêlos regurgitados das caves onde guardam os saldos que nunca vimos na estação. Fez a cara do costume, avaliando-me a veracidade da opção e ela resolve: ò mamã pareces um memé.

Acordo


Andava há meses à procura do fio certo para o meu primeiro grande protocolo.

Cheguei a considerar o Noro silk garden. Apelava-me a coriência de padrão e lã e augurava-o suave. Não consegui escolher uma cor e temi um investimento estripado de perigo. É que eu não gosto de riscas.

Este fio é normal, uma mistura de fibras com bom toque e da espessura certa (que até fiz uma amostra para ver a gauge).

A ver quanto tempo ficará em estufa.

26.1.07

coração quente, amor ardente


mãos frias




Até já tinha começado o mikado das 5 agulhas, mas atrapalhei-me com o polegar. Não tivesse a espécie evoluido tanto e seria mais fácil fazer umas mittens.
Enquanto não volto à chinesice, criei o meu primeiro padrão original:

MittAnas
> montar 28* malhas e tricotar um cós de 2x2;
(é melhor usar para o cós agulhas mais finas; escolher a altura que se quiser de cós)
> tricotar o padrão que apetecer até ter um rectângulo com a altura pretendida, para deixar alguns dedinhos de fora; eu aqui fiz 10cm de torcidos e 5cm de arroz, mas não interessa nada que a mescla não deixa perceber; > coser a lateral até à base do polegar, deixar uma abertura para o dedo e coser até cima;
> com uma agulha de crochet, fazer uma (ou duas) carreira de pauzinhos em volta do buraco, para aquecer o polegar.

*eu queria 28 por causa dos torcidos, mas pode ser outro número, de acordo com a lã utilizada; tem é que dar a volta à mão.

25.1.07

sim

Tenho 34 anos e uma filha. Já estive grávida três vezes.

Da primeira vez tive muitas dores e a natureza escorreu-me a esperança. O meu embrião perdeu o coração e eu comprei, com receita e indicação médica, dorida e cheia de vergonha, medicamentos ostracizados - é possível que não lhe queiram vender isto, vá tentando e não diga para o que é - comprimidos que tratam úlceras mas, ilegalmente, também ajudam a limpar o túmulo. A alternativa legal é a espera ou a curetagem e eu tentei evitar a cicatriz. Tenho uma amiga enfermeira que me contou histórias de quase morte por causa dos comprimidos, vendidos por aí à tablete, com instruções que a aflição não cumpre. Chegam cá esvaídas, às vezes só recuperam com transfusões.

Da segunda vez, com a tristeza confirmada na carteira, na ecografia vazia, esperei pelo jorro que não vinha e tive medo dos comprimidos. Disso e do aviso da médica para que guardasse a prova, o retrato do meu filho ausente, para poder provar no hospital que não tinha feito um aborto, para não correr o risco de ser destratada por já não ter aquilo que mais queria.
Preferi a anestesia e acordei no mesmo sítio onde a minha filha me foi dada, um ano e meio depois. Apertaram-me a mão, fizeram-me festas no rosto. Terei para sempre lágrimas guardadas desse dia.

Aceito que haja pessoas que, chamadas na sua individualidade, votam não. Mas quero uma sociedade que, plural e solidária, descriminalize.

21.1.07

résistance


Ser crescida é desmanchar sem lágrimas um padrão resistente .
Fiquei eu acordade até à uma da manhã (uma da manhã!) para isto. Vá lá, pelo menos levou-me a dor de cabeça da véspera.

20.1.07

sew me



máximo divisor comum

Estes dias são exauridos por causa do vento. Cato em todas as direcções para aproveitar as redes e as marés. Carrego uma lista de objectivos sorridente e bem disposta. Marco alvos sem pudor e giro prioridades com alguns remorsos. É verdade que já não me divirto tanto nos cantos, porque não me encosto. Os conhecimentos são gulosos e volantes, como os buffets. Será que um dia, definitivamente ímpar, deixarei mesmo de comer sentada?

mínimo múltiplo comum

O que eu mais gramava de ser cientista era o discurso orgulhoso do sector primário: Sim, porque eu não sou um middle man, eu cá produzo um bem, o conhecimento. Sabia-me bem esta conversa diopritazada e levemente militante. Agora bolas, fico-me só com o serviço público, já que do conhecimento passei definitivamente para os conhecimentos.
Ontem sentei o dia numa sala apinhada. Na minha cadeirinha estofada, que uma pessoa no público aprende a sobreviver em eventos organizados, ouvi atentamente a mesa e as cadeiras. Na mesa estavam outros como eu, mais velhos e bem sucedidos é certo, mas terciários como eu, quasi-ímpares. Nas cadeiras estavam os pares, primários, produtores. Hoje ainda me dói um bocado a cabeça, mesmo depois da caipirinha no restaurante do adro.

18.1.07

colibrinco


No domingo fiz uns brincos. Na loja, amparada por uma amiga e pela novidade, juntei pedrinhas de cores e metais num tabuleirinho branco. O design foi vertical, um spin-off estético da mosca.
No final fiquei ligeiramente eufórica.
Como em todas estas coisas de mãos, a minha parte preferida é a preparação. Pensar e repensar, escolher as cores, as coisas. Agora, para além de lãs, também colecciono peças de bijutaria.

15.1.07

Expiação

As aves canoras têm cantos extraordinários que resultam de uma mistura de padrões inatos, característico da espécie, e da aprendizagem com as aves mais velhas.
Não faltará pois quem me refira os genes, expressos com vivacidade na progenia, mas a verdade é que eu falo cada vez menos.
O meu marido é socialmente quasi-mudo. Avesso à small talk, fica-lhe pouco para partilhar nos pequenos desencontros da vidinha. Nos últimos tempos queixa-se que, mesmo quando tenta, ninguém o ouve. Mas ele vai fazer 40 daqui a dois meses.
Eu, que agora tricoto no carro, já não faço maratonas de 300 quilómetros. Fico-me cá comigo e poupo-lhe as psicanálises que costumava desfiar na autoestrada.

Explicação

Ò mamã, eu tenho que estar sempre a falar porque depois, se eu não falo, eu fico doente!
Mariana, 14 Janeiro 2007

13.1.07

yarn eye


É um clássico da microscopia, rivalizando apenas com o testículo que havia na Politécnica, preparado há anos para o varrimento.

Neckfly


Desfio hoje as contas desse rosário, infantilmente cruel. Eu não fui bióloga por gostar de bichos, foi mesmo por acaso.

Goldfly


Quando era miúda, apanhava moscas em caixinhas de ourivesaria. Quase sempre as abria a seguir, que aquele zumbido encurralado, depois da vitória inicial, atormentava-me um bocadinho. Coitadas das moscas. Imagino as que ficaram esquecidas, exaustas, num pequeno caixão de plástico, sem algodão.

12.1.07

Best



A minha filha ontem escreveu-me uma carta.
Num bloco de hotel qualquer, esferou uma vontade terna, azul, gráfica, de falar comigo.
Minha doce.

10.1.07

Branca de Neve Atchim e o Anão Feliz

Quando cheguei à escola na segunda-feira mal abria os olhos de ranho, mas cumprimentou-me alegremente com um "Olá mamã, estou doente!".
Ando a comprar-lhe colheradas de xarope com maltesers. Compro-lhe quase tudo com maltesers, um dia destes tenho que actualizar a divisa. Anda contentinha e nunca se queixa. Já vimos os micróbitos no livro do corpo humano. Come bem e abre os olhos para ver mais desenhos animados do que em qualquer outra altura sob a minha jurisdição. Ainda agora, oiço ali a voz ridícula do Mickey. Não tenho forças para desenhos, plasticinas, playmobil et al. Dói-me tudo, menos o istmo. Os micróbitos colinizaram-me, pois claro. Agora que já a negociei para o resto da semana com os avós vou ter que voltar a trabalhar pesada de mim própria. Não há condições. Não vejo a necessidade do Mickey ter uma voz tão ridícula.

9.1.07

Branca de Neve e o Anão Atchim


Em Braga há um restaurante fantástico, atrás de um balcão.
É para quem sabe, encavado numa loja de centro comercial. O Senhor Silva, atrás do balcão em U, como o dos snack-bar dos anos setenta, serve-nos colheradas num ritmo esperto. Foi lá que comi uma fatia de tarte de limão que ainda hoje mo lembra.
Daí que, recordada pela Jane, tenha aproveitado a folga para merengar.

8.1.07

.

Admito que hoje não estou nada bem disposta. Até já compus as pestanas e, de caminho, desalojei os ganchos. O edifício tem um segurança novo. A minha secretária tem compromissos velhos.
Graças ao calendário acabaram-se as festas.
Começa o ano, mas eu não começo nada. Tenho é tudo para acabar.

..

Vim a dormitar no comboio. Esta indulgência sabe-me tanto quanto me irrita. Em vez de ler qualquer coisa, de congeminar tarefas ou ementar o jantar, não, dormito. Casulo-me no casaco novo, macio e, procariótica, quase me sinto a dividir.

...

Tirei-lhe as meias e começou a chorar. Tirei-lhe as meias na brincadeira, debaixo dos meus lençóis de flanela. É verdade que era o meu tiro de partida na prova matinal, mas tentei ser lúdica. Senti-lhe tanto as lágrimas desacordadas que me detive a passar-lhe levemente a mão nas bochechas. Afagava-lhe o acordar quando, de repente, TRÁS. Uma estalada que me borrou o rimel. Emudeci até agora.

7.1.07

Gray's Anatomy


A piéce de resistance dos 40% foi um fato-macaco.
Sempre achei um charme a risca de giz. Prefiro-a mesmo ao olho de perdiz.
Claro que agora vou esforçar-me por desconstruir tanta lousa com despropósitos.

Verde



Ana Maria Magnólia.
Ou a retaguarda do pássaro.

Lilás



Ana Maria Açucena. Ana Maria Clara. Ana Maria Laura.
Agora que ando neste jardinanço tudo me apetece lilás e verde. Beringela e musgo. Beterraba e esmeralda. Das promoções trouxe um casaquinho com cor de amiga e uma malha não promocionada, antes promovida. Deviam proibir estes enganos a pessoas gulosas.

Violeta



É sabido que gosto de rosas amarelas, mas a verdade é que prefiro violetas. Gosto das roxas, escuras, macias e das brancas. Conceptualmente, adoro camélias. As camélias nem são bem flores, são jóias da natureza. Como as magnólias. As camélias são flores para pintar e bordar.
Renovo 2007 com lilás e verde. Lilás é uma cor perfeita e uma palavra favorita. Lilás, lilac, lilly. Seria lindo ter uma filha Lilly. Ou Violet. Violet é muitas vezes um nome do meio. Acho graça aos nomes do meio. Gostava de ter um nome do meio. Ana Maria Violeta.

Padrões de 2006



5.1.07

A escol(h)a

Inquieto-me outra vez com o assunto. Com os filhos nunca mais se descansa, se espera. A espera acabou com o parto, agora é sempre em frente, sempre a bombar. A escola, a escola. Gosto tanto da escola. Lá em casa ainda vivemos na escola e é um assunto importante. As minhas escolas foram públicas, circunstanciais, uma jurisdição geográfica. Quando tive que escolher, escolhi a escola e não o curso. Isso, aconteceu por exemplo.
Ainda hoje tenho apego pelas minhas escolas velhas, pobres, problemáticas, suburbanas. Não posso fingir-me fora delas. À minha escola de crescida retorno um bocadinho todos os dias; profissionalmente é uma das minhas; afectivamente é como a família, dá-me as maiores alegrias e as maiores irritações.
A Mariana gosta da escola. É uma casa grande, cor-de-rosa. Uma escola antiga, nomal, perto de casa. Não é religiosa nem pratica pedagogias sofisticadas. Fazem pinturas e cantam muitas cantigas. Tem um jardim. As minhas escolas nunca tiveram um jardim e eu passei a infância a multiplicar-me em personagens, para habitar o meu quarto. Aprendi a ler com seis anos. Lembro-me perfeitamente de aprender o P.
Mas, como diz o tio do Homem-Aranha, with great power comes great responsability.

4.1.07

yarn-by-sea

Shoreham é uma vila pequenina, com uma high street de meia dúzia de lojas, uma igreja antiga, um restaurante italiano e uma ponte para o mar. Fica ao lado de Brighton e fui lá umas três vezes, conversar com o Ken.
O Ken tem um escritório quentinho, ao lado do dentista. A alcatifa é verde água e o Mac é branco e futurista. O Ken sabe muitas coisas sobre a EU. Almoçámos no italiano e conversámos sobre as coisas do costume e sobre as outras. Ele viveu décadas em ritmo acelerado e agora tinha decidido fazer a coisa por menos. Trabalha sozinho e só aceita as comissões que lhe agradam; ele agrada muito à Comissão. Retive-lhe a calma, a empatia e histórias giras de bastidores. Aprendi que há slogans maiores que resultam de acasos menores, que são as pessoas que têm as i&deias e não o contrário.
Soubesse eu então o que encontrei hoje e tinha-me abastecido em terra.

2.1.07

my guide to making me a better self


Para além de uns óculos escuros pretos, jackie-like, preciso de mais tempo e mais paciência. Tenho uma vida muito boa, mas está um bocado encavalitada em horários e obrigações e isso. Se é para pedir ao ano novo alguma coisa, eu cá gostava da 15% rule.

sete


Troquei um presente mal cabido por um casaco novo. Comecei-lhe um cachecol que me vai dar boa cara. Isso e uma base sofisticada leve, rose éclat. Estou mesmo a ficar uma senhora.

Seis e meio


Flori as pernas e jersey a miúda com cores primárias e fortes. Estreámos o ano assim coloridas, indiscretas. A passagem da véspera foi ressonada com ben-u-ron, que os miúdos são mesmo assim e a noite tinha aquecido mais que a conta. À meia-noite faltaram-me nos braços os quilos que me pesaram no coração. Engoli as bolhinhas e comi mais uma fatia de cheesecake.