story:tell:her

29.3.08

Se eu conseguisse organizar a logística capazmente, guardava a sexta-feira à noite para sair. Sair, jantar fora, beber uns copos, talvez mesmo dançar. É um desejo quase higiénico.

Ontem à tarde, depois de um dia pesado e mais uma semana das do costume, ouvi os ensaios. É uma coisa gira lá da minha escola, isto de ter um palco. Gosto de atravessar os corredores tropeçados de caixotes com cabos e cenários e homens de T-shirt preta. Gosto de ver a sala aberta, descer as escadas como se fosse entrar em cena. A menina, delirante e sem cerimónia, já se ensaiou. Levei-a um dia comigo e mais às tosses e aos meus processos; a sala estava aberta e agora a minha escola é a mais fantástica de todas porque "até tem um teatro!".

Ontem ouvi o piano e apeteceu-me ficar ali, a sair, mas não.

24.3.08

[hoje]

Estou um bocadinho de birra. Arrisco mesmo o contrariadinha. O campus está deserto, tenho que usar o cartão para entrar e por acaso só me apetece é sair. Tenho os pés frios e não consigo decidir-me sobre uns All Stars. Aliás, aborrecem-me todos os fabricantes de ténis.
Cheguei a sentar-me numa mesa de café e a trabalhar com o lápis no papel, sem google nem teclado, só para sair daqui um bocadinho. E a Fernandes não tinha Futuras pretas.
O mundo congemina e concorre para me contrariar.

*
[ontem]

Se tu fosses um animal, qual é que eras?
Um cavalo! (eu adivinhei)
E eu? Eu gostava de ser uma borboleta.
Não, as borboletas são muito pequeninas, tu eras uma girafa. Não, tive uma ideia, tu eras uma fada com uma borboleta e eu era o cavalinho da fada!
E o pai? Ò pai, o que é que tu eras? (pergunto eu, a tratá-lo por pai, uma coisa que confunde deveras o meu próprio pai)
Um tigre.
Ò pai, não queres ser antes um dinossauro? (pergunta ela; eu convulsiono-me de riso)
Não.
O pai podia ser uma zebra... (arrisco eu)
Não.
Está bem pronto, és um tigre amigo da fada e do cavalinho da fada.

História da mãe pirosa, o pai cota e a filha diplomata.

16.3.08





No filme, foi das cenas que mais impressionou. No final, quando os arquivos são abertos.
Na vidinha, remoo até hoje a história do protonamorado informador e do avô desbocado.
[...]
Eles escreviam em francês e a PIDE*traduzia o que interceptava, até os poemas de Aragon que ela citava em algumas missivas. Helena registou duas coisas: primeiro, as traduções eram boas; segundo, aquilo, só por si, era indicativo da "multidão" que prestava serviço à polícia.
O número exacto continua, contudo, a ser uma incógnita, devido também, embora não só, ao facto de parte dos registos sobre informadores e agentes ter sido queimado pela polícia no próprio dia 25 de Abril.
O arquivo da PIDE que chegou à Torre do Tombo é composto por mais de seis milhões de fichas, 500 livros e 20 mil caixas cheias de processos.
*PIDE: Polícia Internacional e de Defesa do Estado

14.3.08

Se eu, de facto, pegasse numas agulhas, *** *** ***.

black fairy

Ontem comprei um vestido com a minha amiga. Adoro-o e a minha amiga disse-me que eu parecia uma fada. O que não vale ter uma amiga destas.
Acontece que o vestido é, de facto, um bocadinho mágico. Apesar de a menina lhe ter lamentado a cor, o trapinho tem-me atapetado o dia desde cedo.

- Ò mamã, mas é de cor preta...
- E qual era a cor bonita?
- Corderosa!

Na estação, corro para um rápido e preparo-me para os solavancos da marginal em pé. Ali por volta de Caxias, o rapaz do casaco de carneira-que-não-era-carneira levanta o olhar espelhado e, enquanto se levanta precipitadamente, comanda-me numa voz de noitadas e brusquidão que me sente. Não, obrigada, não é preciso. Atrapalho-me com tanta solicitude e pondero se me imaginará grávida - o vestido é amplo, sem cintura - mas o sorriso dele é tão generoso, quase embevecido. Despeço-me no final, radiosa de descanso.
Na escola então, perdi a conta aos cumprimentos. Que coisa. Pena não ter encontrado o meu chefe.

9.3.08

Mariana! [grito]

Acabei de apanhar a minha filha a lamber o stick da cola.
Ontem à tarde, na mira de um croissant, atravessei o caudal docente que descia a Rua Àurea.
Cheguei à Confeitaria Nacional recuada de vinte anos, atordoada de lembranças e gula. Claro que àquela hora já não havia croissants.
Ruminei o bolo-rei e mais a minha vida, de mochila e cadernos. Na escola, sempre na escola. Curiosamente, sempre quis ser a aluna. Nem em pequenina queria ser a professora.
As minhas escolas foram sempre públicas, sou um produto do Estado Previdência, uma filha de Abril. Sou a geração PGA, a "não pagamos" das propinas universitárias.
Curiosamente, tenho um inglês excelente, made in British Council (provavelmente mais caro para a minha família do que toda a minha formação universitária junta).
Curiosamente, o meu trabalho hoje é gerir a escola, na escola. As propinas passaram a ser receitas próprias e sou uma convertida dos full costs. Porque a escola merece sustentabilidade, porque a escola é a sustentabilidade.
Mas ontem lembrei-me foi da escola onde já não vou há quase 20 anos. Que, em boa verdade, já não conheço. A minha filha ainda está resguardada no jardim. Claro que já me preocupam as escolhas. Gosto de pensar que vou (con)seguir o fio público. Mas ai os horários, ai que eu não trabalho na mesma cidade onde moro, ai que ela faz anos no fim de Novembro, ai, ai, ai.
Tive tantos professores que ja não me lembro de todos. Mas ontem parecia-me reconhecer-lhes as caras, os tons de voz, os exercícios. Eu aprendi na escola tudo o que sei. Agradeço-lhes isso para sempre.



os meus públicos


:-)


twin peeks


4.3.08

Do(s) tempo(s)

Quando eu era miúda, constipava-me. Agora, a minha filha tem infecções respiratórias.
Há uma certa modernidade, um status, na infecção respiratória.
Há, definitivamente, muito mais investimento:
material - os aerossóis, a multiplicidade de xaropes e antibióticos e sprays e brocoqualquer coisa,
parental - a minha mãe estava em casa, eu fico em casa,
emocional - os avós andam todos muito aflitos; os meus emprestavam-me lenços de pano e faziam canja, quando sequer sabiam do "assunto",
comunicacional - a rede social que envolve a minha filha é vários ordens de magintude superior à da minha infância.
Por tudo isto, agradeço o diagnóstico cosmopolita, pago a segunda consulta particular no espaço de uma semana e aproveito para aviar uns calmantes que me impeçam de transformar a patine de mãe sensata e controlada numa pasta esborratada de despenteio e exaustão.

1.3.08

United Kingdom of Ipanema

Muitas vezes entro só pelo cheiro. Cheirinho legal. Até vende em frasquinho. A colecção é pequena, pouco variada e o preço é obsceno. Mas tem nível. Lá que tem, tem.
Rio 40º ou porque é que me apetecia imenso lá ir.
Afinal a criança não tem a quinta doença, é só mau feitio. Dela, não fui eu que lhe dei estaladas.
Nos avós, decidiu que não deixava ver a febre. Decidiu e manifestou-o com gritos, choro e tosse puxada. Ficou com petéquias na cara (pintinhas vermelhas, muito pequeninas), uma estampa de mau génio, mimo e ranho, que já começa a amarelar.