story:tell:her

25.1.07

sim

Tenho 34 anos e uma filha. Já estive grávida três vezes.

Da primeira vez tive muitas dores e a natureza escorreu-me a esperança. O meu embrião perdeu o coração e eu comprei, com receita e indicação médica, dorida e cheia de vergonha, medicamentos ostracizados - é possível que não lhe queiram vender isto, vá tentando e não diga para o que é - comprimidos que tratam úlceras mas, ilegalmente, também ajudam a limpar o túmulo. A alternativa legal é a espera ou a curetagem e eu tentei evitar a cicatriz. Tenho uma amiga enfermeira que me contou histórias de quase morte por causa dos comprimidos, vendidos por aí à tablete, com instruções que a aflição não cumpre. Chegam cá esvaídas, às vezes só recuperam com transfusões.

Da segunda vez, com a tristeza confirmada na carteira, na ecografia vazia, esperei pelo jorro que não vinha e tive medo dos comprimidos. Disso e do aviso da médica para que guardasse a prova, o retrato do meu filho ausente, para poder provar no hospital que não tinha feito um aborto, para não correr o risco de ser destratada por já não ter aquilo que mais queria.
Preferi a anestesia e acordei no mesmo sítio onde a minha filha me foi dada, um ano e meio depois. Apertaram-me a mão, fizeram-me festas no rosto. Terei para sempre lágrimas guardadas desse dia.

Aceito que haja pessoas que, chamadas na sua individualidade, votam não. Mas quero uma sociedade que, plural e solidária, descriminalize.