story:tell:her

16.11.07

nightingale

Acontece que eu até era uma pessoa simpática.
Esta semana, para além de várias vezes me questionarem a cor do cabelo (sim, é possível pintar o cabelo; aliás parece que 78% das mulheres fazem-no e o meu já não é de agora), houve quem não quisesse crer que fosse mesmo eu ao telefone. Conheciam-me da minha vida anterior, quando eu dormia e comia capazmente, quando a minha vida pessoal era mais do que fazer dois puzzles com a miúda, cozinhar uma variante de carne picada para o jantar e adormecer no sofá. Nesses tempos, eu ainda escrevia emails aos amigos, ou pelo menos respondia-lhes. Às vezes chegava mesmo a telefonar ou combinávamos uma refeição. Agora só telefono à AnaS e é com a necessidade egoísta de me queixar.
Antes da minha vida ter sido invadida havia em mim um rouxinol. Uma espontaneidade entusiasta, quiçá uma simpatia. Hoje sou uma megera institucionalizada. Tenho olheiras permanentes, uma tatuagem de cansaço acumulado. Passo os dias a resolver problemas, não há uma única boa notícia no meu despacho.
Nunca mais me esqueço como há uns anos perguntei a uma amiga, assistente social, como aguentava aquilo dos problemas diários. Ela confessou-me que havia de facto dias difíceis em que só lhe apetecia gritar com os coitadinhos todos para não se drogarem, não roubarem e não fazerem merdas que só lhes encravam a vida.
Os meus dias são todos difíceis e só não grito, ou ainda não grito, porque estou cada vez mais noise sensitive.
Agora o rouxinol, esse voou.