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30.11.07

Academim

Ontem à tarde, antes do chá, o meu marido fez a sua comunicação inaugural na Academia das Ciências de Lisboa.
Sou sincera, não gosto de o ouvir. Sofro com o seu tom baixo, cuidadoso, sério. O meu marido há quase 10 anos, o pai da minha filha, o meu amor, mão-na-mão-junto-a-mim-que-não-poderá-ter-fim, enerva-me. Já o ouvi muitas vezes, foi meu professor. Eu casei com o professor. Já foi meu chefe e meu colega. Nunca nos zangámos. E agora dá-me para isto. Para temer por ele, para mordiscar os dedos enquanto a onda progride, estável, forte, segura.
Ontem, no desconforto da cadeira encaracolada, mergulhei num distúrbio tenso, como nos sonhos. Respirei por fim o silêncio, desoxigenada.

A Academia é como os botões de punho. Um anacronismo elegante, respeitável, brasonado.
No meu estilo desestruturado, espreitei as salas e as porcelanas. Propus logo uma festa nos salões, um sopro no espólio. Eu não sou nada como o meu marido e obviamente nunca hei-de ser correspondente da secção de ciências biológicas.
Eu era a mais nova da sala, ele é o mais novo dos académicos. Ontem claro que os funcionários nos interceptaram a progressão na alcatifa.
Estou tão orgulhosa dele.