story:tell:her

28.9.07

Semprei fui razoavelmente desequilibrada. O meu pai nem me queria deixar guiar sozinha. É verdade que houve um periodo particularmente difícil com a mudança das cabines telefónicas. Lido mal com superfícies transparentes de todos os tipos. Enfio-me em montras com facilidade.
Hoje de manhã, à minha frente, a miúda falhou ostensivamente a abertura da porta. Reconheci instintivamente o movimento torto, a tentativa frouxa de correcção, o encalho com a ombreira. Eu conheço de perto todas as ombreiras do meu perímetro familiar. Ai, ai. Serão os genes? O pai é tão orientadinho que esperei sempre o melhor.
Claro que há o outro problema, meu. Eu ando com os olhos pregados no chão. Para além da deselegância postural, devo perder imenso disfrute visual. Desde miúda que prego os olhos no chão e ando depressa. Lembro-me dos recados feitos a correr, de chinelos (quando eu era miúdas as pessoas vinham à rua de chinelos, pelo menos lá onde eu morava). Uma corrida à padaria, à drogaria, à lavandaria. Todas as lojarias da vidinha à distância dum arquejo.
Agora já não tenho chinelos, tenho crocs ou birks e já só ando depressa. Aliás, não tenho fôlego para corridas. O pior é que ela continuou como se nada fosse. Não recuperou o ombro nem desacelerou o passo. Seguiu, como eu sigo.
Imagino a minha figura como uma enchada. Aquelas que pousadas pela base fazem um ângulo para a frente. A minha cabeça à frente dos meus pés.
Também sei que cada vez mais desfoco o olhar. Olho rapidamente e faço por não ver. Na maioria das vezes basta-me a mancha. É sorrir e acenar, sorrir e acenar. Como se focar me gastasse, como se houvesse um limite de focos no meu cérebro e eu precisasse de poupar os hits para as coisas verdadeiramente importantes. Não é que eu não olhe, só não vejo.