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25.1.06

Na caixa

Hoje vamos ter a televisão na aula. Uma meta-entrevista que alvoroça mesmo quem é da casa. A imagem, a nossa imagem, é uma coisa estranha, a que não estamos habituados. O espelho é uma versão contrária e 2D. Ao espelho todos fazemos boquinhas, descansamos as sobrancelhas e localizamos o olhar. Os outros conhecem-nos, mas nós não. Estranhamos a voz, o volume do cabelo, o nariz, o riso. Estranhamo-nos. E o pior de tudo é os outros dizerem-nos que somos mesmo assim, que aquela é a nossa imagem, o nosso registo. Nós somos mesmo assim. Argh.
Na semana passada uma amiga foi fotografada para uma revista. Tem dois filhos, é bonita. Escolheu do armário um conjunto que não tivesse nódoas de papa ou ranho. Ao que uma pessoa chega. Escolher uma pose por defeito de nódoas. A minha sorte é que uso calças cada vez mais tortas. Descubro-me muitas vezes manchada de vidinha. Palavra que não percebo como fazem as mulheres arranjadas. Devem dormir pouquíssimo para conseguir montar o show diário da base, do brilho no cabelo, das unhas bonitas. Eu continuo sem perceber como esfolo tanto as biqueiras dos sapatos, agora que já nem tenho recreio.
Hoje à tarde, o meu grande objectivo é evitar um ataque de tosse. Baixo as expectativas e convenço os alunos de que não custa nada. Uma coisa invasiva, espinhosa, implacável, milhares de olhos a aperceber-me o nariz e eu estudo uma descontracção tão fingida que me merece, pelo menos, um óscar de argumento, já que o guarda-roupa está para sempre fora dos meus cabides.