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15.10.05

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A roupa é uma coisa gira. Diverte-me, gosto de pensar nisso e altera-me o humor. Hoje comprei umas calças porque me apaixonei pela etiqueta. As calças são fixes, mas têm uma etiqueta fantástica. Cada vez mais ligo às pequenas coisas. Como as etiquetas, os forros, os botões. Tenho uma capacidade extenuante de embirrar com pespontos. Os pespontos são uma coisa fundamental. E ele há pespontos terríveis. Por enquanto ainda não gasto fortunas em roupa interior. Sou uma básica, não me rendo, não me enchumaço, já me acetinei mas deixei-me disso. Mas admito que talvez venha com a idade, isso de dar três digitos por cuecas. Como a cena dos forros. No outro dia vi uma saia com um cós lindo. Não a trouxe porque me ficava francamente mal. Tenho uns sapatos com um forro lilás que acho bonito, é uma pena não se ver. Gosto de solas, também gosto de solas. Aquela etiqueta de hoje vai mudar-me o guarda-roupa. Eu compro tudo solto, nunca há "um conjunto", até embirro com twin sets. Nada é comprado para nada em particular, o look é sempre parcial. Tenho mais roupa do que o que preciso*. Tenho roupa mal comprada e peças usadas até ao excesso. Dou muitas coisas, não me custa. Gasto muito os sapatos, embora não goste muito de sapatos. Gosto de malas. Reparo sempre numa mala bonita. Conheço-as, avalio-as, julgo por elas. Por causa da etiqueta, hoje quase me calcei de rosa, mas não havia o meu número.
Sou uma caçadora solitária. A minha mãe acha-me mais chata do que a minha avó e nunca vamos às compras juntas. Há muitos anos que não tenho amigas para ir às compras. Ninguém me adivinha os gostos. É muito raro oferecerem-me coisas para usar e provavelmente ainda bem. Ele não me compreende, apesar de me ver tantas vezes. E também nunca dá o palpite certo quando lhe pergunto, o que é injusto da minha parte, esse é um jogo perdido. Não sei se alguém me aprecia as (des)combinações porque eu não pergunto e não incentivo comentários. Talvez o meu pai me ache alguma graça. Foi a única pessoa com quem já partilhei roupa.
Basta-me um olhar rápido para ver, avaliar, rotular. Lembro-me do que alguém tinha vestido há 20 anos. Um desperdício de memória. Às vezes, raramente, na rua, vejo alguém assim. Quase que me apetece falar-lhe. Hoje, ela experimentou as minhas calças e levou outras. E eu tinha acabado de namorar noutra loja as que ela trazia vestidas. Também tinha um cós (p)refeito dos filhos e um busto desgostoso, lamentámo-nos. Estava ali uma putativa amiga, devia ter-lhe pedido o telefone.

*Não assumo quaisquer responsabilidades pela utilização futura deste desabafo.