story:tell:her

21.8.05

A Família Galaró

História de um primeiro grande tralho:
Era uma vez uma menina que ia a correr, tropeçou e caíu.

História da minha primeira grande aflição:
A minha filha ia a correr, tropeçou e caíu. Parecia uma queda normal, mas ela aterrou com a cara no chão. Esfolou-se, ao pé do olho, tinha terra e pedrinhas na boca; meio minuto depois cresce-lhe uma bola de golfe na testa. Tivémos sorte, estávamos no centro de Castelo Branco, a dois quarteirões do hospital; entrou logo, viram-na logo, "não é nada, é só um hematoma, ela está bem".
Ela está bem. Ficámos mais um par de horas por ali, à sombra, na bicha da farmácia de serviço, por ali, com medo dos vómitos ("o vómito do traumatismo é de jacto, sem aviso"), com medo. Depois voltámos para casa que o passeio estava enguiçado e as aldeias hitóricas são longe e mau caminho. Ao todo passámos umas oito horas no carro.


Adendas à história:
- se alguém me vir na rua, eu sou a mãe da menina amachucada que parece que levou uma tareia
- no hospital, entre as lágrimas e os gritos de "não, não" ao gelo que eu tentava por na testa, dizia "um galo, um galo", o que me dava uma vontade de rir histérico-nervosa
- ela não levou uma tareia, caíu
- é sempre bom ter água; para beber, para lavar feridas, para o caraças
- não vale a pena repetir "não corras" até à exaustão
- eu sei que todas as crianças caem
- eu, à minha conta, parti a cabeça (porque queria ter o cabelo comprido, não tinha, e pus um saiote a fingir de cabeleira; meneei a cabeça contra uma mesa de ferro e fui ao colo para os bombeiros), rasguei o sobrolho a jogar à cabra cega, queimei os dois braços com salpicos de açúcar queimado e esfolei os joelhos até conseguir fazer marcas para a vida
- nunca tive o cabelo verdadeiramente comprido e na minha casa deixou de se fazer molotof; sempre achei a cabra cega uma parvoíce
- ontem senti aquela vontade, aquela de que fosse eu, que fosse a minha cabeça, a minha cara, o meu olho; desejei tanto que fosse eu; não resulta
- quando se vê ao espelho aponta para o "dódói", de resto não se lembra
- esta miúda não é nada caguichas
- Mariana, como é que faz o galo? "Cócó!"