story:tell:her

9.4.07

Kamel


Desci a folga na avenida, espreitando as montras caras e por vezes despropositadas. Há muitos anos fiz montras, com o meu pai. Até ganhámos concursos. Desenhei a antiga estação do comboio numa manga de plástico e semeámos quintais em tabuleiros. Doutra vez vieram tabuleiros de Tomar. Mas normalmente só se lá punham os sapatos e as bandoletes. Usavam-se as bandoletes. Às vezes também trazia as caixas e sorria. Outras vezes estudava ao fundo. O meu pai também me levava aos hóteis para ver os ímpares da estação. As colecções são sempre ímpares, 36. Nunca experimentava porque sempre fui desengonçada e um bocadinho mal vestida.
Mas sei reconhecer uns bons sapatos e tenho imensa opinião sobre malas. Basta-me um relance para reconhecer a graça de um gosto. Aposto que seria uma óptima personal shoper. Mas assim sendo comecei a manhã a discutir regulamentações financeiras e depois ensolarei-me na avenida onde as finanças são claramente desregulamentadas.
E tudo para chegar aos escaparates da Tema e rejubilar com a recompensa. Fiquei tão excitada que até conversei com o empregado, a ver se o meu entusiasmo lhe regulariza as encomendas. Não há nada como comprar revistas nas bancas, ele há lá assinatura que se lhes compare.
Contentinha, desfolhei-a na Nacional enquanto equilibrava a galinha na sandes. Um pão sem côdea é um desafio ergonómico. Fui comer um sonho e mantive a rota articulada da Baixa. Gosto tanto da Baixa.
Espreitava os algodões quando a vi, um novelo desajustado, pardo, uma mistura fina como só uma loja de rua podia conter. Merino e Baby Camel. Uma promessa de calor e gosto. Irrestringibile. Que eu não sei o que quer dizer e provavelmente não é irresistível.