story:tell:her

5.1.06

Velada

Acho que estou a ficar transparente, fina, um véu. Isso ou reflectora. Reflexo-os, reflexo a rua, as outras pessoas, por isso não me vêem. Ouvem-me (eu falo muito), às vezes encontram-me o ombro, o pára-choques, mas não me vêem. Sou a mãe dela, a mulher dele, a filha da mãe, do pai. Sou por interposta pessoa. Eu, que gosto de bolos de arroz, de ler jornais, desmaterializo-me perante a massa alheia. Refiz há pouco tempo a minha página web pessoal. Tenho esferas profissionais e depois Ana. Não tenho nada em Ana. Não fui capaz de me explicar, de me linkar, de me ligar a nada que seja meu. Sou um véu. Vou ao supermercado, limpo lágrimas, verto lágrimas, compro roupas giras e até nisso perco espessura. Ninguém olha para mim na rua, no comboio. Diluo-me na meia de leite, no casaco comprido. Preciso de uns bons sapatos, para quando for preciso. Quero cortar o cabelo, mas tenho medo que não mo encontrem, ao cabelo. Que falhem o corte. Falham-me quase sempre o corte. Grisalho-me, não por fora, por dentro.