story:tell:her

24.1.06

Não vale a pena explicar às pessoas que não têm filhos como é que tudo muda depois de os ter. É como explicar a que sabe o chocolate a quem nunca provou chocolate. Ou, para o caso, anis. O anis sabe esquisito como só o anis. Os filhos também.
As mães sofrem muito, como sofrem todos os amantes, e por isso merecem alguma compaixão. Um beijo, um abraço, um telefonema, uma palavra e lá ficam o dia todo a pular ou a choramingar. As dúvidas, a ansiedade, a espera, o pensamento a fugir. Um sorriso deles e lá aguentam mais uma semana de sobressalto e criadagem. É um extenuo. Mas as pessoas com filhos não são melhores pessoas, são só pessoas diferentes. Às vezes manifestam uma tendência indecente para fazer crer que atingiram um estado evolutivo superior, que amam mais e melhor e que isso é de alguma forma redentor. Mas só é volumoso. Enche-nos por todos os lados menos por um que é o istmo. Incha o peito, às vezes literalmente.
Gosto mais da minha filha do que de pão com manteiga e no entanto já tive ganas de a enfiar numa gaveta ou fechá-la na rua. Já perdi o cabimento na gaveta, mas estou à espera de uma oportunidade para a fantasia da soleira. A minha miúda é gira. Quando acorda despenteada e quentinha, quando puxa risinhos de conquista, quando canta. O meu amor por ela é como as planárias, que se regeneram depois da machadada. Tenho o coração aos golpes e isso não se consegue explicar.