story:tell:her

19.1.06

Janeiras

Quando eu era miúda, faziam-se desenhos em papel manteiga com pincéis molhados em frascos de iogurte. Especializei-me no barco, no moinho e nos símbolos da época, o cravo e o punho. Aquilo do punho ainda me deu trabalho a dominar. A curvatura do polegar, os músculos do pulso.
Tenho dado por mim a fechar as mãos. Encolho-me na própria palma, às vezes até a dormir. Terei frio? Definitivamente não é uma metáfora pecuniária, nunca gastei tanto dinheiro na minha vida. Diz-se que os escoceses são stingy. Eu lá era cheap, que a vida em libras não se esbanja.
Será só a mim que o slogan confunde? Estar sempre comigo nos momentos difíceis só me lembra a anedota do "então dás-me azar". Não me apetece nada votar, eu que tremelico sempre na excitação da cruzada. É que 'tá-se mesmo a ver e a coisa aborrece-me. Nem acredito que se cantem as Fevereiras.
Também me apliquei nos perfis. Aprendi a encaixar o nariz e os lábios, a curvar a testa. Aquilo foi uma empreitada artística e o psicólogo conclui que eu não quero encarar a vida de frente e decerto me falta o pai. Totó. O meu pai estava sempre escondido dentro da banheira, atrás dos cortinados, indiscreto, generoso, à minha espera.
Encaracolo-me. Será frio? É verdade que já não dou tanto as costas ao colchão, as pernas em flamingo. Mas ainda assim vou votar com arte. Pena que não tenham lá pincéis.