story:tell:her

18.1.06

Entremeada

Tenho cá para mim que as mães afinam o tacto. Que mudam o toque. Eu não gosto que me agarrem, com força, tolhida, nem por ela, mas sempre mexi muito nas pessoas de quem gosto. Ponho a mão no ombro, na mão, toco no cotovelo. Nos amigos, às vezes no cabelo. Nela, toda. Uma sem-cerimónia que ela também tem. Eu pertenço-lhe e ela reclama-me.
Gostei muito de amamentar. Era fisicmente muito bom. Lembro-me das contracções que provocava, logo depois, contracções boas, saudáveis, inesperadas, repuxadas, as entranhas a entranharem-se novamente, ficou tudo como novo. Depois era o ritmo, a sofreguidão, a exigência, mas também o consolo, o calor. Aquele quentinho de gente presa a mim é uma das minhas memórias mais queridas.
E o meu toque mudou. O peso da mão, o compasso, o ângulo. Ela era pequenina como um telemóvel de última geração. Agora que já é uma menina, descubro a reciprocidade, o mimo intencional, o valor do meu colo e do sorriso da mãe amiga. Aflige-se quando me sente zangada, distante. Agarra-me a perna e sussurra escupa. Reconciliamo-nos com abraços.

Quando fui a primeira vez para a Escócia, ele avisou-me para não mexer nas pessoas. Eu, uma exótica que mexia em estrangeiros. Aprendi. Pendi a mão várias vezes, pendurei sorrisos atrapalhados a meio caminho do beijo. O meu chefe, um homem extraordinário, quis partilhar a minha sularidade e dava-me verdadeiros encontrões na bochecha. Não sabia dosear o impulso de toda a sua massa inglesa.

Quando ela nasceu, ele parecia-me enorme, depropositado, com umas orelhas assustadoras, uma aspereza desconhecida. Ele, sempre doce, atencioso. Cheguei a mimá-lo com jeitos de embalo, palmadinhas breves, só não o pus ao ombro porque já sabe arrotar sozinho.
Ela adora entremear-nos. Não nos permite abusos, grandes abraços ou aconchegos. É verdade que está lá no meio, para sempre. Mas isso também pode ser bom.