story:tell:her

29.11.05

This way up

Já tenho saudades de mim aqui. De me contar a mim própria, aos que conheço e me lêem aqui, aos que só conheço daqui. Se calhar até tenho saudades dos que não conheço, que não me conhecem, mas que até parece que sim. Eu, que não meto conversa com ninguém, que baixava os olhos envergonhada nas lojas quando a minha mãe conversava com os empregados, quando me explicava e às minhas necessidades aos empregados, quer fossem camisolas de gola alta ou collants ou tecido a metro. Lembro-me de vir a Lisboa comprar tecidos com a minha mãe. De subir escadas de madeira e percorrer primeiros andares de pó e lã virgem. Já não há lojas em primeiros andares. Pois eu, que não cruzo olhares nos transportes, nos elevadores, que não tenho opinião pública sobre o tempo nem o Governo, que gosto de supermercados grandes, eu tenho saudades de vir aqui contar a vidinha.
Hoje passámos a manhã no notário para dizer adeus à casa velha. Que é nova para os outros que também perderam a manhã. Nunca mais lá fui, quase um ano. A minha filha já não se lembra dela, mas ainda lá está a barra do quarto. Foi uma boa casa, com horizonte da ponte ao Bugio, dos 25 aos 32. Adeus casa, pingo uma saudade por ti, por nós.
E aproveito para entornar mais um bocadinho por coisa nenhuma, por coisas de nada, como ela faz a toda a hora.