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11.11.05

ContraTempo

Tenho saudades de não ter pressa. De não estar atrasada para alguma coisa ou em alguma coisa. A última vez que não tive pressa deve ter sido na licença de parto. Ou talvez não, possivelmente tinha pressa que ela segurasse a cabeça, que comesse a sopa, que sei lá. Invejo quem anda na rua sem pressa, quem não estuga a vidinha entre duas dentadas do tempo. Provavelmente são os jovens e os velhos, uns de muito outros de pouco.
Muitas vezes faço força para não me apressar, para a deixar cansar-se dos miminhos, da água quente do banho, das migalhas do pão, de me pular na barriga. Faço força para não interromper a vida com a vidinha. Sinto muitas vezes que roubo tudo o que tenho, roubo a família ao trabalho e o trabalho à família, roubo-lhe ele a ela e ela a nós, roubo o jantar aos lápis de cera e tudo ao sono. Tenho saudades de marcar passo, de ver passar os eléctricos, de pensar na morte de bezerras. No outro dia uma amiga confessou-me aquilo que eu já sabia: que no banho planeia o expediente da manhã, porque não há tempo para tomar banho. Doidas, somos umas doidas. Como as galinhas, que provavelmente não pensam nisso porque nunca tomam banho.