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22.7.05

"A" história

To whom it may concern
Este post é sobre o parto.
Vá lá, era inevitável. Havia de chegar o momento e é hoje. Porque a conversa já começou noutro lado, porque há barrigas amigas que se preparam para o grand finale. Pirem-se todos os que puderem para o próximo post, qu'isto vai ser a doer. Literalmente.

Tive dois abortos, um deles com curetagem no hospital. Engravidei a terceira vez, fiquei os primeiros três meses de repouso, tudo a correr bem; depois perderam-me a análise bioquímica, que não pode ser repetida fora do tempo, paciência, confiança; às 35 semanas a placenta estava grau III, envelhecida e o estudo do esfregaço mostra que sou Strep B positiva (20% de nós estamos colonizadas sem saber; pode causar doenças graves se o bebé se infectar durante o parto; toma-se antibiótico intravenoso e importante mesmo é fazer a análise, para saber e tratar); na mesma consulta aparece na Mariana uma pequena dilatação num rim. Buuuuuuuuu. Algumas dores pélvicas.
36 semanas, CTG no HSFXavier. Eu quis levar a mala, eu sabia. Ninguém me acreditava. Ecografia detecta líquido amniótico reduzido. "A Ana fica cá, vamos induzir. Vá almoçar e volte lá para as duas e meia". Ah, eu sabia e estava muito calma e confiante. Os outros nem tanto. O pappy estava afogado em aulas, eu fui com os meus pais para o CCB, passear. Almoçámos em Belém, comi robalo grelhado. Eu calma, a avó Lurdes em choque, a chorar ao telefone, eu a rir-me e a acalmar os outros. Eu genuinamente calma.
Deram-me uma bata de flanela azul, giletaram-me levemente, entregaram-me dois tubinhos para a limpeza intestinal; muito fácil e rápido. Entrego as roupas à minha mãe e digo até logo. Está tudo bem, mãe, não fiques nervosa.
O CTG na barriga, aquele som de cavalo de corrida, o soro com o antibiótico, os comprimidos por baixo. Tudo calmo. As primeiras moinhas, nada de especial, a mamã cega ao meu lado, há horas naquilo. Vi-a meses depois, nas páginas da Pais&Filhos, com o Gonçalo bebé. A doutora a dizer que já se via alguma ondulação no gráfico, eu na mesma. O toque. Dói, mas é rápido e poupa dores futuras, vale a pena. Colo verde. A doutora a dizer-me "Ana, se calhar só lá para amanhã". Tudo bem. Algumas dores, o pappy comigo e eu a respirar certinha, sempre fui boa aluna. Toque, bolsa rebentada, a coisa começa a desenvolver. Dores legítimas, mas normais. Três dedos e meio, pedido de epidural [as dores ainda eram médias, eu tenho um problema de coluna e, embora estivesse autorizada, temo a epidural; pergunto à médica, mãe de 3 filhos, se é mesmo preciso: "Ana, se a puder levar, aceite", naquele tom de quem sabe o que está a dizer]. Dores médio-grandes. A epidural não dói nada, o que custa é estar quieta com as contracções; suo, respiro, já está. O céu.
O céu.
O céu.
Falo com o pappy, que tinha ido jantar porque "ainda faltava muito", do telefone da médica. Soo ganzada. Tudo é lindo.
Hora e meia depois desço à terra e às dores. Sinto-a descer. A parteira acha-me uma exagerada e ralha-me. Diz que estou a fazer mal a força e que o bebé já tem um alto na cabeça. Eu acho-a uma exagerada.
Faço a força certa, deitada de lado porque ainda ninguém me mandou abrir as pernas. Sinto a vontade, aquela que é mesmo como se quiséssemos fazer cocó. É mesmo, é essa e é inconfundível. Digo ao Rui, que estava um bocado atrapalhado com as minhas inpirações na máscara do oxigénio, para chamar a parteira. Ela vem contrafeita, não me acredita. Enfia a mão.
"O pai tem que sair. Maca!". Ah!
As maiores dores de que me lembro foi ao passar da cama para a maca, a tentar levantar o rabo com um bebé a sair. Dói à brava. Lembro-me de pensar que tinha que me lembrar que doía. Na mesa do parto foi um instante. Outra parteira, muito eficiente, pouco simpática, mas aquilo não são momentos para pitimilititi. É precisa uma voz de comando, uma voz que saiba, porque nós não sabemos e temos muitas dores. Força, muita força. Não se sente o corte. "Agora não faça força, não faça!". Eu sabia o que era, eu tinha estudado. A piolha tinha o cordão enrolado no pescoço e no ombro. Não fiz, aguentei uns segundo e depois, flop. Escorregou de mim. Uma trouxa acinzentada, quentinha, na minha barriga. 00h56m, já é dia 27. Levaram-na logo, mas eu não percebi porquê. Estava "atrapalhada", tinha um apgar de 6. Recuperou logo. Outra mamã a parir ao lado enquanto me cosem. Eu a fugir da agulha, sem querer. Ralhete. "A sua menina é tão linda, tão redondinha", diz-me a primeira parteira, de repente simpática, de repente sorridente, de repente já não havia alto nenhum na cabeça não é?
Levei cinco pontos. Quando acabou, a minha parteira também mudou o registo e foi a minha melhor amiga durante as próximas duas horas. Sorriu-me, fez-me festinhas no cabelo, deitou-me a piolha ao lado e garantiu-me que eu já tinha peito. Ajudou-nos com carinho e ela mamou mais de meia hora. Foi tão bom. Chamava-se Felicidade, a parteira, a sério.

Considerações:
- a Mariana era linda
- a recuperação foi óptima; de pé, fazia tudo; não me conseguia sentar nos primeiros dias, mas de lado também se está bem; dica de uma amiga: guardar pensos higiénicos, ligeiramente molhados com água, no congelador, para aliviar a costura
- os pijamas funcionam tão bem como as camisas de dormir e são mais giros
- as cuecas descartáveis de rede são óptimas
- levar pensos normais porque os do hospital são enormes
- a piolha teve icterícia fisiológica e ficámos 5 dias; estar no hospital foi bom; ajudaram-me muito com a subida do leite
- na subida do leite é muito importante ter ajuda; alguém que saiba, que ensine a massajar e a tirar o excesso de leite com os dedos
- a Mariana era linda
- as visitas no hospital são sempre demais
- levar umas calças de grávida para a saída que a barriga não se vai assim
- a Mariana tomou antibiótico durante um mês por causa do rim, mas está tudo bem; é sempre vigiada, mas a coisa resolveu-se sozinha
- tinha 46 cm, 2760g e era linda
- tinha um pequeno derrame num olho, do esforço do parto, que passou logo; tinha uma manchinha na testa que passou ao fim de um mês; tem uma mancha na nuca que ainda se vê, mas sem importância
- tinhas as unhas enormes e arranhava-se, a rabininha.

Correu tudo bem. Foi tudo óptimo. Fica-se com outra perspectiva relativamente à dor física. A Mariana continua linda.