story:tell:her

27.5.05

18 meses

Só os pais de crianças pequenas é que lhes contam a idade em meses, tal como só as grávidas é que o fazem em semanas. Mas a piolha agora já tem um ano e meio, uma conta mais certa, mais fácil para as conversas de rua.
Apercebo-me de que já não sou mamã de um bebé. Ela anda, corre, sobe e desce, até já aprendeu a entrar e sair do cavalinho de madeira sozinha. Fala, fala imenso, às vezes já demais, que não é tão fácil uma mãe fazer-se desentendida quando a criança vocaliza vontades e, frequentemente, não-vontades sobre todas as coisas. Quando a criança começa a repetir tau-tau, tau-tau enquanto a mãe lhe ralha, a mãe que evita as palmadas o mais que pode, que nem usa a expressão tau-tau, que não lhe ia dar tau-tau, só estava a ralhar porque não, não pode atirar a comida toda para o chão, despejando o prato, não pode puxar os fios das tomadas, não pode gritar sempre que lhe apetece, não pode fugir-lhe na rua e ir pela estrada, porque a mãe passa o dia a aparar-lhe o comportamento e a evitar que se aleije muito. E ela começa a chantagear-me com aquela cantilena do tau-tau? Sim, porque é uma chantagem, uma fuga para a frente, um ataque engenhoso aos meus princípios pedagógicos, uma chica-espertice. Já não é um bebé, mas continua um Gremlin.
Quem a conhece já percebeu que eu não sou uma exagerada, que todos os pais pensam que os seus filhos são traquinas, mas muito não são, são normais. Eu até achava que devia ser assim mesmo. Mas não. A minha filha não é uma criança dócil. Já mo foi confirmado por família, amigos e muitos estranhos, alguns deles hesitantes entre a compaixão e a crença dissimulada de que eu devo ter culpa disso, que as mães têm sempre culpa. Se estiverem 50 crianças num recinto, a minha vai ser a primeira a querer explorá-lo, a libertar-se de mim. A espernear se não o conseguir logo. É uma líder, vai ser rainha do recreio, vai trazer milhentos recados nos cadernos, vai ficar de castigo muitas vezes, é perigosamente adorável. Ontem, acreditem, eu já não a podia ouvir. Eu sou só uma miúda mãe doutra. Não sou incansável, não tenho um sorriso permanente, não acredito em sorrisos permanentes. Ontem, já só me apetecia ser uma miúda.