story:tell:her

28.8.07

Não sei bem quando começou, já passaram alguns meses, mas agora, agorinha, é que estamos no auge da coisa.

- Porque é que xxxxxxx mamã, porquê?
- Deixa ver!

É muito estranho ver a nossa criança - aquela mistura fina dos nossos genes, tão nossa, tão única, tão familiar - transformada num cliché. Mas é assim mesmo e isso dá-nos algum consolo.
Há dois dias fui verificar quantos cm a miúda cresceu nos primeiros meses para sossegar uma recém avó aflita com a sua espiguinha.
9,5 cm nos primeiros dois meses. É verdade, parece muito, mas é verdade.
Agora já tem um metro. Impressiona-me sempre vê-la deitada. As pernas esguias, compridas, o ventre liso, os braços fininhos, o cabelo espalhado e umas pestanas maravilhosas. Linda, a minha filha é tão linda. Imagino se ficará triste quando perceber que a varicela lhe costumizou a sobrancelha direita. Voltei a crescer as minhas sobrancelhas e estimo à brava os meus pêlos desorientados. Claro que perco a elegância do arco perfeito, mas a verdade é que tanto arranjo chegava a assustar-me.
Quase não lhe corrijo a infância falada porque me apercebi que foge depressa. Diz todas as coisas porque as que não sabe inventa. Na verdade tem quase sempre razão e a irregularidade da língua é que complica tudo aos crescidos.
A minha filha mostra-se ao espelho. Deixa mostrar ao espelho mamã, vês?
Ontem saldei-lhe calças para o inverno.
Peço-lhe várias vezes para estar um bocadinho caladinha, por favor. Lembro-me perfeitamente de a minha mãe me fazer o mesmo e em boa verdade não acho certo. Mas não aguento tanta conversa, palavra que me põe doida. Ela não se cala. Por comparação o pai já nem se queixa de mim.
É uma conversa única, de manhã à noite, recheada de interpelações e porquês e exigências de respostas. Eu sei que ela depois vai ficar muda e que não vai haver quem lhe arranque um grunho, mas agora é uma canseira tão grande, uma prova oral sobre a vida e eu há dias que já não posso, já não tenho mais respostas sobre o mundinho. Claro que as explicações dela são hilariantes e é uma delícia ouvi-la em relatos semi-fantásticos, temporalmente desorientados, mas profundamente verdadeiros, que mesmo as mentiras aos três anos e meio são genuínas. Ela nem sabe mentir, sabe inventar que é outra coisa completamente diferente.
A ver se aprendo.