story:tell:her

19.11.06

O doutor já me tinha avisado, vai para uns dez anos. É que eu já conheço o doutor há mais de vinte e cinco, quando me apertava parafusos no céu da boca. Acontece que tenho os sisos mal parados e agora doem-me até às orelhas. Estou tão habituada a incómodos de boca que já só ligo quando os pequenos guinchos dela me parecem intoleráveis e a comida feita de cimento.
Claro que não tenciono fazer nada por enquanto e aproveitei que a miúda e mais os seus guinchos foram caridosamente recolhidos pelos avós para pintar o cabelo. Cheguei lá a pedir uma misericórdia parda, um banho de qualquer coisa, mas não escapei dos pacotinhos de alumínio que guardam mechas molhengadas de caril como se fossem tesouros. E foi naquele preparo de descabelada biónica que foi preciso mudar de cadeira, atravessando a zona pública, onde qualquer incauto que se abastecesse de víveres no Carrefour me pôde apreciar as melenas.
Agora tenho o cabelo mais claro, assim um bocado mais canelado do que a minha estética preferia, e obviamente reencaracolado, mesmo depois dos puxões corajosos da Ana Maria. Mas se eu conseguisse exprimir-me cabalmente nos cabeleireiros tinha era pedido chocolate de leite, como o dela, se há coisa mais linda...